A reportagem é do Blog do Dina:
Em meados da pandemia de covid, um vírus se inoculou na maior facção organizada do Estado, o Sindicato do Crime do RN, que rachou. De um lado, as lideranças da chamada Sintonia Final, grupo de 7 pessoas que compõem o tribunal do júri do Sindicato, decidiu que não era mais tolerável a forma com a qual o Sistema Prisional tratavam a eles e seus familiares. De outro, emergiu uma radicalização que concordava com esse pleito, desde que pela via da violência com atentados públicos.
A primeira corrente ganhou força e conseguiu benefícios dentro do Sistema Prisional, na escalada de crise que terminou expondo Armelie Brenand, adjunta da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária, como face de uma política que supostamente beneficiava presos dessa facção. Mas a fuga registrada em 12 de agosto de 2021 da Penitenciária de Alcaçuz obrigou a SEAP a recrudescer nas regras. O endurecimento agravou a crise no SDC. O racha foi a oportunidade para três dinâmicas se instalarem:
- A convocação de dissidentes do SDC que não concordavam com a condução da organização;
- A assunção da milícias privadas que viram uma chance para ocupar espaço;
- O PCC, que visualizou nos eventos, uma oportunidade de fomentar ainda mais a dissidência e estimulou a criação de uma terceira facção neutra;
Essa é mais uma dinâmica de como o crime organizado se redesenha no RN e é a segunda de uma série de reportagens do Blog do Dina construída a partir de investigações conduzidas pela Polícia Civil do RN, o Ministério Público do RN e a Polícia Federal, a respeito de como organizações criminosas se estruturam e determinam a segurança pública muito mais por suas ações do que pela operação de inteligência do Estado. O que emerge dos documentos é que tais organizações tem poder de determinar quando e onde a paz será mantida ou interrompida.
A Cisão do Sindicato do Crime do RN

A formalização da cisão dentro do Sindicato do Crime do RN veio em 19 de agosto de 2021, quando uma mensagem de um dos líderes circulou entre membros da organização expondo os motivos pelos quais estava convocando tantos quantos pudessem a adotar neutralidade e não aderir às ordens da Sintonia Final.
A mensagem de neutralidade se fez seguir por uma pactuação de quais regiões de Natal e do Estado estavam aderindo àquela mensagem. A lista demonstra que o Sindicato do Crime do RN tem controle territorial da atividade criminosa no Rio Grande do Norte, pois são listados nessa mensagem as ‘quebradas das seguintes cidades’:
- CAICÓ;
- MOSSORÓ;
- PARNAMIRIM LIBERDADE;
- MACAU;
- SATÉLITE;
- PONTA NEGRA;
- GOIÂNIA;
- PANTANAL;
- FELIPE CAMARÃO;
- PORTELINHA;
- NOVA PARNAMIRIM CAIXA D’ÁGUA;
- ACARI;
- NOVA PARNAMIRIM,
- MORRO DO PRIQUITO SUADO;
- REDINHA;
- MANGUERÃO;
- VALE DOURADO;
- JARDIM LOLA;
- BOA ESPERANÇA;
- GRAMORE;
- EXTREMOZ;
- UMA PARTE DO MORRO DE MÃE LUIZA;
- UMA PARTE DO BOM PASTOR;
- UMA PARTE DO PASSO DA PÁTRIA;
- ALTO DO RODRIGUES;
- VILA PARAÍSO;
- PARNAMIRIM PASSAGEM DE AREIA;
- CARNAÚBAS;
- PENDÊNCIAS;
- PITBULL;
- CIDADE VERDE;
- JUCURUTU;
- COOPAB;
- JAPI;
- FLORANIA;
- CIDADE NOVA;
- JARDIM LOLA;
- PARQUE INDUSTRIAL;
- CURRAIS NOVOS;
- PIUM;
- E UMA PARTE DO JAPÃO
Essas cidades e os bairros de Natal mencionados somam, juntos, quase 600 mil habitantes. Além disso, as torcidas organizadas do ABC e do América são mencionada como signatárias do pacto de neutralidade.

O Decreto da Sintonia Final
Os líderes do Sindicato do Crime do RN identificaram de onde partiu a mensagem de convocação de neutralidade e decretou o rebaixamento de um dos 7 líderes que compunham a Sintonia Final, também conhecida como Fifa. Nesse rebaixamento, ele passou a integrar um grupo chamado CBF, que se dirigia agora à Fifa. Como punição, ele foi impedido de traficar drogas.
Também foi determinado que quem comprasse drogas a ele seria decretado. Como o grupo de Caicó reagiu se articulando para comprar armas, a notícia de que uma crise política se instalou dentro do Sindicato do Crime do RN chegou com bom ânimo ao PCC e às milícias privadas, que aproveitaram o racha para estimular a dissidência e ocupar seus territórios.
O desenho de uma dissidência levou o PCC a enviar emissários aos declarados neutros para a formação de uma facção que se mantivesse, de fato, neutra na guerra territorial pelo domínio do crime no RN. Mas a investida não deu certo porque as lideranças do Sindicato do Crime do RN perceberam que a força emergente que melhor se aproveitava daquele movimento de cisão eram as milícias privadas, compostas por policiais corruptos que também sentiram no ar o cheiro de oportunidade de fazer negócios escusos e tomar as quebradas de posse do Sindicato do Crime do RN.
O Inimigo Número 1
A clareza de que a investida do PCC era menos importante, e era mais urgente se organizar contra as milícias privadas ficou evidente em mensagem distribuída em 14 de novembro de 2021. Neste dia, uma das lideranças do Sindicato do Crime do RN se queixa da máquina opressora. A falta de menção explícita ao PCC e dada a dinâmica em andamento levou os investigadores a concluírem que a referência feita era contra o Estado constituído e os grupos de extermínios, sendo esses mais perigosos que aquele.
A dificuldade política atravessada pelo Sindicato do Crime do RN é sintetizada em um áudio que integra apuração da Polícia Federal e foi obtido pelo Blog do Dina, que alterou a voz originou com inteligência artificial para não identificar o autor da mídia. Ouça:
Foi nessa dinâmica de entendimento de quem era o inimigo número um que o Sindicato do Crime do RN investiu contra Wendel Lagartixa em 8 de agosto de 2021, marcando de vez a redefinição da guerra territorial que marca a mancha territorial da região metropolitana e cidades do interior.
Na guerra que passou a travar contra as milícias, o Sindicato do Crime do RN não dispôs de microfones e espaços na mídia para, por um lado, mas se revoltou ao perceber que Wendel Lagartixa desfilou em entrevistas em vários veículos contando como a morte de sua filha exigir uma ofensiva de segurança que ele mesmo adotaria, na ausência do Estado. Esse engenhoso uso da mídia de Natal foi detalhado na primeira série de reportagens, explorando sobre como Wendel capturou o coração da direita de Natal com o discurso de justiceiro contra o Sindicato do Crime do RN.