Em greve há quase 150 dias, numa guerra com o governo Lula por reposição de perdas inflacionárias no salário desde 2016, cumprimento de acordos e pagamento de bônus, os auditores fiscais voltaram a pressionar pela exoneração do secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas. O Conselho de Delegados do Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco Nacional) aprovou uma moção de desconfiança contra o secretário do Fisco e intensificou a pressão por sua demissão. Procurados pela Coluna do Estadão, Barreirinhas e a Receita não responderam.
“O conselho repudia a postura do secretário, que fere a boa-fé negocial, ignora o papel constitucional dos auditores fiscais e se mostra incompatível com a missão institucional da Receita”, disse o texto aprovado pelo colegiado no último dia 9. A moção de desconfiança destacou que a categoria pode concluir que a permanência de Barreirinhas do cargo é “insustentável e indefensável”. A categoria reclama de não cumprimento de acordos negociados em 2024.
Para além da discussão sobre o reajuste, a pressão pela demissão de Barreirinhas vem desde 2023, primeiro ano do Governo Lula. A categoria reclama de descumprimento de acordos. A crise de confiança entre os auditores e o secretário da Receita teve episódios além da paralisação.
Salário de auditor da Receita Federal e reivindicações
O salário inicial de um auditor fiscal da Receita Federal é de quase R$ 23 mil. A categoria recebeu reajuste de 9% em 2023, dentro do pacote de aumento salarial do funcionalismo público anunciado pelo governo Lula. Ressalta, entretanto, que acumula perdas inflacionárias de 28% desde 2016, pelo congelamento salarial no período. Os auditores afirmam que “é inaceitável que sejamos a única categoria do serviço público federal sem direito à reposição das perdas inflacionárias”.
Segundo apurou a Coluna do Estadão, outro ponto de desentendimento é que os auditores reclamam que servidores da Advocacia-geral da União (AGU), que já recebem valores próximos ao teto remuneratório, conseguiram fechar acordo para receber reajuste de 19% em seus vencimentos básicos, parcelado em duas vezes - junho de 2025 e abril de 2026. As tratativas foram feitas com o Ministério da Gestão e Inovação.
Crise de auditores com Barreirinhas começou em 2023
A crise de confiança entre os auditores e o secretário da Receita teve episódios além da paralisação. Como mostrou a Coluna do Estadão, auditores fiscais de todo o País fizeram uma espécie de motim contra a gestão de Robinson Barreirinhas, em dezembro de 2023, pressionando por sua saída do cargo.
Na ocasião, 48 conselheiros do Carf - Conselho Administrativo de Recursos Fiscais - renunciaram. Na sequência, cerca de 60 chefes, titulares e interinos de Delegacias Regionais também anunciaram que deixariam os cargos.
O estopim da crise, naquele momento, foi uma ação na Justiça para tentar impedir a greve da categoria. Os servidores afirmaram que Barreirinhas “fingiu amizade” numa reunião de negociação, mas na sequência tentou impedir o direito de greve na Justiça.
Os servidores chegaram a declarar que Barreirinhas adotou o “estilo Paulo Guedes” (ex-ministro da Economia do governo Bolsonaro) e não contava mais com o respeito dos servidores. E o clima nunca melhorou.
Barreirinhas enviara ofício pedindo ao procurador-geral da União a “judiciosa análise” da greve. Em seguida, a Advocacia-Geral da União recorreu ao Superior Tribunal de Justiça apontando “ações abusivas” da greve.
O pedido de liminar incluía que fosse determinada a manutenção de 100% da força de trabalho nas atividades relacionadas ao Projeto de Lei do orçamento geral da União de 2024, que estava para ser votado, e também no Carf, na gestão de créditos tributários e controle aduaneiro.
Greve impacta declaração do Imposto de Renda e arrecadação federal
Auditores fiscais têm alertado que a greve da categoria, que completa cinco meses no próximo dia 26, já impacta terminais alfandegários e pode comprometer a restituição do Imposto de Renda. A paralisação dos julgamentos de processos tributários do Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf) também faz com que o governo federal abra mão de uma arrecadação bilionária, segundo o Sindifisco.
Apesar do movimento dos servidores, o trabalho não está totalmente paralisado, uma vez que há muitos processos automatizados. A contingência envolve ações que precisam dos servidores. A categoria, por sua vez, já alertou para os riscos fiscais com o prolongamento da paralisação.
Portanto, a greve dos auditores impacta no ritmo de análise das declarações do Imposto de Renda e pode gerar atraso nas restituições. Além disso, retarda a liberação de cargas nos portos e aeroportos, prejudica a fiscalização do pagamento de impostos e a investigação de crimes. Tudo isso afeta a recuperação de créditos fiscais, comprometendo uma das apostas do governo de seu pacote de ajuste fiscal.
Entre os casos investigados pelas unidades especializadas em combate às fraudes fiscais estruturadas da Receita federal estão as que envolvem a lavagem de dinheiro e ocultação de patrimônio de integrantes das cúpulas do Primeiro Comando da Capital (PCC), como o dos acusados na Operação Fim da Linha, que apura a captura de parte dos sistemas de transporte público de São Paulo pela facção criminosa.
Riscos futuros e Plano B do governo
Como mostrou o A greve dos auditores-fiscais da Receita Federal é mais um ponto de pressão para o governo, que precisa fazer um esforço fiscal de R$ 118 bilhões para fechar as contas em 2026, com um mix de medidas nas frentes de recuperação de créditos tributários em litígio, execução de créditos e melhoria de ambiente de negócios.
Interlocutores da equipe econômica ponderam que a paralisação traz prejuízos também para a perseguição das metas fiscais, mas há expectativa de que seja solucionada em breve. Caso prossiga, há um plano B.
As novas medidas arrecadatórias estarão discriminadas no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2026, que deve ser enviado ao Congresso Nacional pelo Poder Executivo em 31 de agosto. Até lá, todas as propostas que dependem de aval parlamentar precisarão estar em tramitação no Legislativo.
Coluna do Estadão