Governo subestima a oposição
Alguma anistia haverá, e a responsabilidade é do Palácio que tira por menos a força dos oponentes
Incrível como o governo é pego desprevenido pela oposição. Leva rasteira atrás de rasteira e ainda se surpreende. Isso acontece porque subestima o oponente.
Acabou se acontecer com o projeto de anistia aos golpistas. O Palácio dormiu no ponto, acordou tarde e o líder no Senado, Randolfe Rodrigues (PT), para justificar a inércia, saiu-se com esta: "Não entramos em campo antes porque quando o adversário está errando não se deve interrompê-lo".
Uma versão enviesada da arte da guerra considerando o equívoco de perspectiva, pois quem errava era o governo ao não ser capaz de detectar a tempo o movimento dos ventos. Resultado, quando viu, Inês estava quase morta.
O requerimento de urgência alcançou as assinaturas necessárias, o pedido foi protocolado e, sem força para retaliar os signatários de partidos da base, restou aos inquilinos do poder correr atrás de desistências tardias a fim de respaldar o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos), na tentativa de amenizar o prejuízo no colégio de líderes.
Ainda que se derrube a urgência, a oposição seguirá no domínio do tema, pois conseguiu distorcer os fatos a ponto de muita gente boa e informada passar a acreditar que havia inocentes na culminância da conspirata no 81. Alguma anistia sairá.
E por que o Planalto não atuou antes para impedir as assinaturas ao menos daqueles que a ministra Gleisi Hoffmann (PT) chamou de "desavisados"? Por um misto de incompetência, arrogância e falta de tino para perceber que ali estavam todos perfeitamente avisados de que o requerimento funcionaria como recado ao Executivo e ao Judiciário.
Assim como não há inocentes na trama do golpe, não há cândidos no Congresso. Ingênuos movidos pela soberba, pelo visto, só existem entre os governistas-raiz. Tinham o melhor dos argumentos: a punição severa à intentona para evitar reincidência, mas deixaram-no se perder na mitificação bem engendrada pelos arquitetos do objetivo maior de livrar Jair Bolsonaro (PL) do merecido corretivo.
Dora Kramer - Folha de São Paulo