Usado por Mauro Cid para manter comunicações clandestinas durante o período em que colaborava com as investigações da Polícia Federal sobre o plano de golpe de Estado, o perfil de Instagram @gabrielar702 registrou, num espaço de 40 dias, mais de 200 mensagens enviadas pelo delator.
O material obtido por VEJA e revelado na edição desta semana mostra que Cid, além de mensagens de texto, fazia ligações de áudio e de vídeo, enviava fotos, links de reportagens críticas ao STF, momentos íntimos da família — que VEJA optou por preservar — e até imagens próprias dele enquanto estava em casa.
Numa das mensagens, Cid detalha as estratégias dos advogados Cezar Bitencourt e Jair Alves Pereira, que atuam em sua defesa no STF. “Dr Cezar acha que vou ganhar os dois anos…”, diz ao interlocutor. “Ganhar dois anos de paz ou de pena”, questiona o interlocutor.
“De pena… Que foi o que pedimos depois do perdão total… Para eu não ser expulso do EB… Já tenho quatro meses de fechado…. seis meses de prisão domiciliar… Nisso que ele está se garantindo. Na verdade, ele diz que nem seremos denunciados… Dr Jair acha que só pela vacina. Ele diz que não existe materialidade em nada, mas que o problema não é jurídico… É político. Se fosse na primeira instância… Tudo já estaria enterrado pela (sic) tamanha abuso que estão fazendo com a minha vida… para pegar o PR”, diz Cid.
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Cid: “Ele diz que não existe materialidade em nada, mas que o problema não é jurídico… É político” (./.)
O interlocutor questiona se os advogados de Cid não vão explorar o que supostamente foi “deturpado” para derrubar as acusações contra Cid na Justiça. “Isso ele vai fazer no processo. Ele já falou… Vai questionar desde o pedido de arquivamento em fevereiro de 2022. Até a quebra da cadeia de custódia”, diz Cid.
Em outras mensagens, o delator fala do sofrimento que enfrenta por estar na situação em que se encontra. “Eu só durmo por exaustão… E às 5:00 já acordo esperando a PF… E para ver as notícias. Para ver o que vão falar de mim…”, diz Cid.
.Em outros trechos das conversas, Cid parece se indignar com o processo de delação conduzido pela Polícia Federal. “Eu queria dar uma entrevista. Estou me coçando…”, diz Cid, teorizando sobre quais veículos de imprensa poderia procurar para dar a sua versão dos fatos.
Ao receber do interlocutor uma notícia publicada por VEJA sobre detalhes do seu depoimento na delação, ele se indigna: “Horrível. Eu vou pedir os vídeos. Eu nunca falei a palavra golpe. Tá f…”.
Numa das conversas de áudio a partir do perfil @gabrielar702, Cid detalha toda a dinâmica dos depoimentos que prestava em sigilo para a Polícia Federal no âmbito do acordo de delação:
“Não, é assim, dia 11 de março, às 10 horas, compareceu o colaborador Mauro César Barbosa Cid para falar sobre os atos golpistas, investigação de atos golpistas referente à reunião do dia 2 de março. Ponto. Aí ele fala: onde foi a reunião e quem participou? Eu falava, isso, isso, isso. O que foi concluído na reunião? Ele falou assim: eu não tenho conhecimento do que foi concluído na reunião. Você começou e tal, então corta, era assim. Encerra agora essa parte da coisa. Ele cortava. Aí a gente fala, agora o assunto vai ser general Braga Netto. Aí a gente falava, o general Braga Netto teve isso, falou isso, fez isso, o que você sabe? Eu falei, não, foi assim, foi assim, você não pode ser. Ele falava, nós temos outras informações. Eu falei, porra, então vocês me passam as informações para eu poder saber. Por quê? Porque esse telefonema que você falou aqui, foi uma das 100 ligações que eu recebi nesse dia. Eu não vou lembrar. Aí ele falou assim, mas isso é um ponto-chave. Eu falei, é um ponto-chave para você. Tem todo ponto, tudo aqui é ponto-chave que você está dizendo. Mas para mim não é. Para mim é algo irrelevante que foi mais um pedido que eu recebi no meio de centenas no meu dia a dia. Aí ele começava a puxar o que os outros iam falar, então tá bom. Aí ele falou assim, o Cavalieri, ou fulano de tal, falou isso, isso, isso. Depois ele disse, então é isso, tal, tal, tal”.
Eles mostram que Cid, já na condição de delator, fazia jogo duplo. Enquanto fornecia à PF informações sobre a movimentação antidemocrática, contava a pessoas próximas uma versão completamente diferente.
Nessas conversas, revelou a terceiros o teor de seus depoimentos à PF e bastidores do que se passava durante as audiências. O militar fala em pressões, conta que o delegado responsável pelo inquérito tentava manipular suas declarações.
As mensagens obtidas por VEJA foram trocadas entre 29 de janeiro e 8 março de 2024. O acordo de colaboração premiada havia sido homologado por Alexandre de Moraes cinco meses antes. Nesse período, Cid usava tornozeleira, tinha obrigação de se apresentar semanalmente a um juiz e já estava proibido de usar redes sociais, celular para se comunicar com investigados e falar sobre o conteúdo de sua delação.
As mensagens de Cid no Instagram, reveladas agora, colocam em risco o acordo de delação premiada fechado por ele, já que confirmam que o delator mentiu ao ministro Alexandre de Moraes durante o depoimento prestado na segunda-feira passada, quando foi questionado pela defesa de Jair Bolsonaro sobre o assunto.
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