A recente sanção da Política Nacional de Humanização do Luto Materno e Parental representa um avanço no reconhecimento das dores vividas por mães e pais que enfrentam a perda de seus filhos durante a gestação, no parto ou logo após o nascimento. A nova legislação estabelece diretrizes para o acolhimento humanizado em hospitais e serviços de saúde, reconhecendo que esse tipo de luto — historicamente invisibilizado — exige suporte específico e qualificado.
Para a psicóloga Simône Lira, especialista em luto do cemitério, funerária e crematório Morada da Paz, a lei traz à tona discussões fundamentais sobre a formação das equipes de saúde. “É uma quebra de paradigma. Por muito tempo, os profissionais foram treinados apenas para salvar vidas, mas não preparados para comunicar perdas. A forma como uma notícia difícil é transmitida pode ser um fator protetivo ou agravante no processo de luto”, explica.
Simône explica que o luto parental é um exemplo de “luto não reconhecido”, conceito descrito pelo psicólogo Kenneth Doka para designar perdas que não recebem validação social. “Ainda é comum os pais não serem incluídos no processo de acolhimento. Às vezes, espera-se que o pai seja apenas o apoio da companheira, sem que se reconheça sua própria dor”, afirma Simône. “Isso pode gerar isolamento, ausência de rituais e desamparo emocional.”
Entre as práticas recomendadas, estão acomodar mães enlutadas em alas separadas das puérperas com bebês vivos, permitir a presença de um acompanhante no parto de natimorto e garantir momentos para despedida. “Medidas como essas contribuem significativamente para a humanização do cuidado e a redução do sofrimento psíquico”, acrescenta.
Chá da Saudade: espaço de escuta e elaboração do luto
Pensando nisso, o Morada da Paz oferece o projeto Chá da Saudade, um grupo de escuta gratuito e aberto aos clientes e seus familiares, com encontros mensais conduzidos por psicólogas especializadas em luto. A iniciativa busca criar um espaço seguro para que pessoas enlutadas compartilhem suas vivências e encontrem caminhos para elaborar suas perdas.
Simône observa que o grupo tem acolhido também homens que passaram por perdas gestacionais e neonatais. “São pais que, muitas vezes, carregam um sofrimento silencioso. É comum, por exemplo, perguntar apenas pela mãe, enquanto o pai — que também sofre — permanece invisível. No grupo, eles encontram espaço para se expressar e serem ouvidos”, relata.
Durante os encontros, os relatos ajudam a reconhecer que emoções como tristeza intensa, confusão ou culpa são comuns e legítimas. “A partilha transforma a dor solitária em um sentimento partilhado, que pode ser nomeado e cuidado”, conclui Simône.