Lula erra e escolhe confrontar o Congresso no IOF
Apelar ao Supremo atrapalha objetivos do presidente e dificulta que o país encontre uma saída para conter a gastança
A atribuição de determinar quanto a sociedade trabalhará para sustentar o Estado não cabe ao chefe do Executivo em regimes democráticos. Se quem comanda a máquina pública também puder decidir o volume dos impostos, abre-se a porta para confiscos e outros arbítrios.
O Parlamento, este sim incumbido de votar leis que elevam ou reduzem a tributação, costuma abrir exceções e autorizar o governo a ajustar tarifas quando se trata de impostos regulatórios.
O Imposto sobre Operações Financeiras —resquício de políticas ultrapassadas de controle de capitais— é dessas exceções no Brasil. Faculta-se ao Executivo alterar bases e alíquotas do tributo desde que aja para "ajustá-lo aos objetivos da política monetária".
Ao decretar a elevação do IOF em 11 de junho, a administração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não fez segredo de que seu intuito era tapar o buraco de arrecadação ante a disparada do gasto e poupar o Orçamento de corte adicional de despesas. Não havia a mais remota motivação regulatória na movimentação.
O decreto foi fulminado por ampla margem no Congresso Nacional, e Lula, incapaz de convencer até mesmo partidos que compõem o seu ministério de sustentar a sua decisão, recorre agora ao Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar ganhar na corte o que perdeu no Parlamento.
A decisão reforça a percepção de que a sagacidade do petista, outrora reconhecida até por adversários, abandonou-o. A leitura correta do incidente passaria por compreender que o confronto com o Congresso, a mais de um ano da eleição, só tende a piorar a situação de Lula e do país.
Apelar ao Judiciário para corrigir a deficiência política do governo poderá até render uma vitória ao presidente, pois, como em quase todo julgamento do gênero, sempre haverá argumentos para favorecer a tese de Lula. Seria, no entanto, uma vitória de Pirro, altamente custosa pelas consequências que acarretaria.
Projetos de interesse do Planalto, como a medida provisória que eleva impostos do financiamento agrícola e da construção civil, entrariam na mira dos parlamentares. A minirreforma do Imposto de Renda, à qual Lula se apega para combater a impopularidade, correria ainda mais riscos.
Meter-se já numa disputa eleitoral daria à maioria de centro-direita do Congresso o pretexto para rasgar a fantasia e dedicar-se a sabotar quaisquer tramitações que possam render dividendos a Lula em outubro de 2026.
Sob a ótica do interesse público, desperdiça-se mais uma oportunidade de combater o moto-contínuo da gastança acionado pelo presidente da República ainda antes da sua posse. A aritmética tem sido implacável com essa escolha infeliz, sob o beneplácito de Legislativo e Judiciário.
Não há saída pelo lado da arrecadação. É preciso desligar urgentemente os mecanismos institucionais que transformam a receita extra de tributos de hoje na despesa sem lastro de amanhã.
Editorial Folha de São Paulo