A médica Ana Cláudia Regert, que trabalha na Clínica da Família Hans Jurgen Fernando Dohmann, em Guaratiba, diz que fica “trêmula” ao lembrar do caso da menina Quenia Gabriela Oliveira Matos de Lima, de 2 anos. A criança morreu na tarde de ontem, após ser torturada. O pai da criança, Marcos Vinicius Lino de Lima, de 27, e a madrasta, Patricia André Ribeiro, de 22, foram presos em flagrante.
Quenia deu entrada na unidade de saúde com 59 lesões e já sem vida. Segundo a médica, era “notório” que o caso da criança era irreversível:
— Chegaram dizendo que ela não estava respirando. Fizemos manobras, mas não por muito tempo, porque era notório que era um caso não reversível, a paciente dava sinais clínicos de não ter sido em tão pouco tempo como eles relatavam, não tinha sido há poucos minutos — explica Ana Cláudia.
O caso foi notificado à polícia pela própria médica, que, ao observar o estado da menina, foi a pé até a delegacia.
Segundo a polícia, Quenia apresentava diversas lesões, sendo elas: 12 na face, 17 no abdômen, 16 no dorso, seis nos braços, sete nas pernas, uma na orelha, além de uma queimadura na região umbilical e uma fissura no ânus — que indica uma possível violência sexual.
Marcos Vinicius e a Patricia foram presos ainda na unidade de saúde e responderão por homicídio qualificado. Os avós paternos fizeram o reconhecimento do corpo da criança nesta tarde no Instituto Médico Legal (IML) de Campo Grande.
Pai não queria pagar pensão
O comerciante Marcos Vinicius afirmou à polícia que tinha a guarda da filha desde que a menina tinha 3 meses. Segundo Patricia, após o nascimento de Quenia, a mãe da menina exigiu que ele pagasse a pensão, mas, com a recusa de Marcos, os pais da criança concordaram que a guarda seria dele.
Marcos e Patricia estão juntos desde antes da menina nascer. De acordo com o depoimento do casal, os dois começaram o relacionamento pouco depois da mãe de Quenia engravidar. Até a tarde desta sexta-feira, a mãe da criança não havia sido localizada.
'Nunca bateram'
Em depoimento à 43ª DP (Guaratiba), o pai da criança disse também nunca ter batido na filha. Segundo ele, a menina brincava, caía e se machucava. Patrícia afirmou que os dois sabiam dos machucados de Quenia, apesar não saberem explicá-los. Ela contou também que Marcos Vinicius “não gostava de médico” e que não tinha tempo para levar a menina na clínica, devido ao seu trabalho. As lesões da criança eram tratadas em casa, com pomadas.
Ainda de acordo com Marcos, Quenia entrou na creche no mês passado. Em pouco tempo, no entanto, a direção da unidade passou a questionar as lesões da menina. O pai disse que a filha tinha caída e que não sabia mais detalhes. Há três dias, a creche afirmou que não receberia mais Quenia, enquanto ela não fosse levada ao médico. A menina estava amuada e tinha febre. Segundo o relato do pai da menina, ela estava sem comer há três dias e vomitava.
Visita anterior à clínica
Em novembro do ano passado, Quenia já havia sido levada a mesma clínica. No entanto, segundo a madrasta, o atendimento demorou muito e a menina foi levada embora.
— Essa criança sofria tortura há um tempo, essas lesões têm colorações diferentes. Agora, preciso do laudo da necrópsia, para que o perito legista me diga mais precisamente o que a gente não vê — explica a delegada Márcia Helena Julião, titular da distrital, que afirma ser o pior caso que já pegou em sua carreira.
— Não havia um local nessa criança que não tivesse lesão: a cabeça, a orelha, o tórax, as pernas. A criança estava toda machucada. Eram 59 lesões numa criança pequena. Em 40 anos de corporação, eu nunca vi isso.
O Globo