Responsabilidade por desajuste fiscal é de Lula
Congresso tem culpa por buscar privilégios, mas é ao Executivo que cabe estabelecer diretrizes de política econômica
Sem liderança política do Executivo, dada a interdição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a qualquer discussão sobre controle de despesas, o país permanece preso em crônica crise fiscal, com as contas públicas em desajuste alarmante.
Depois de patrocinar um aumento de gastos permanente de R$ 150 bilhões ao ano por meio da PEC da Gastança, ainda antes da posse, e de adotar regras insustentáveis para a expansão de gastos obrigatórios, o governo petista se limita a trabalhar com medidas paliativas, visando chegar a 2026 sem uma crise aguda.
Diante da fragilidade política do Planalto e de sua base parlamentar, não é surpresa a resistência do Congresso e da sociedade à nova investida arrecadatória, que busca aumentar o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e, por meio de uma medida provisória, majorar outros tributos, como os incidentes sobre instrumentos financeiros hoje isentos, apostas online e fintechs.
O impasse político em torno dessas medidas —corretas, isoladamente, mas que teriam mais legitimidade se houvesse um plano de contenção das despesas— é prova de que não será possível avançar sem um compromisso claro do Palácio do Planalto.
Culpar gestões anteriores, como fez novamente o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, é uma estratégia desgastada que não exime o governo Lula de responsabilidade nem comprará alguma boa vontade do eleitorado.
A piora dos resultados é clara e decorre de escolhas imprudentes da atual administração. Segundo a Instituição Fiscal Independente (IFI), ligada ao Senado, o resultado primário estrutural da União —que exclui gastos com juros e itens não recorrentes do Orçamento— passou de um superávit de 0,3% do PIB em 2022 para déficits de 1,4% e 1,7% do PIB em 2023 e 2024, respectivamente.
Não há como esconder a deterioração dos números, e a estratégia de elevar impostos pontualmente não resolverá o problema.
O Congresso Nacional não pode se eximir de culpa. A hipocrisia parlamentar é flagrante: enquanto critica o aumento de impostos, o Legislativo se recusa a abrir mão de emendas parlamentares, que alcançaram R$ 52 bilhões em 2025.
Num toque quase caricatural, soube-se também que o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), enquanto posa de arauto da responsabilidade fiscal, propõe que parlamentares possam acumular salários e aposentadorias.
A resistência em discutir reformas estruturais, como a desvinculação entre os gastos com saúde e educação e o crescimento das receitas ou entre os benefícios previdenciários e o salário mínimo, deixa em suspenso qualquer possibilidade de recuperar a capacidade financeira e administrativa do Estado.
Lula faria melhor em abandonar a retórica populista e liderar um entendimento nacional sobre o ajuste fiscal, sob pena de legar uma herança maldita —possivelmente para si próprio.
Editorial Folha de São Paulo