Com medo de ser assassinado, o líder supremo do Irã agora se comunica principalmente com seus comandantes por meio de um assessor de confiança. O aiatolá Ali Khamenei suspendeu as comunicações eletrônicas para dificultar sua localização, afirmaram três autoridades iranianas familiarizadas com os planos de guerra emergenciais dele.
Resguardado em um bunker, o líder supremo escolheu uma série de substitutos em sua cadeia de comando militar, caso outros de seus tenentes sejam mortos.
Em um movimento notável, acrescentaram as autoridades, Khamenei chegou a nomear três clérigos seniores como candidatos à sua sucessão, caso ele também seja morto — talvez a ilustração mais reveladora do momento crítico que ele e seu governo de três décadas enfrentam.
Khamenei tomou uma série extraordinária de medidas para preservar a República Islâmica desde que Israel lançou uma série de ataques surpresa em 13 de junho.
Embora tenham ocorrido há apenas uma semana, os ataques israelenses são a maior ofensiva militar ao Irã desde a guerra com o Iraque na década de 1980, e o efeito sobre a capital do país, Teerã, tem sido particularmente violento. Em apenas alguns dias, os ataques israelenses foram mais intensos e causaram mais danos do que Saddam Hussein em toda a sua guerra de oito anos contra o país.
O Irã parecia ter superado o choque inicial, reorganizando-se o suficiente para lançar contra-ataques diários contra Israel, atingindo um hospital, a refinaria de petróleo de Haifa, edifícios religiosos e residências.
Mas então os Estados Unidos também entraram na guerra. O presidente americano, Donald Trump, anunciou no final do sábado que os militares americanos haviam bombardeado três instalações nucleares do Irã, incluindo a central subterrânea de enriquecimento de urânio em Fordow, ampliando significativamente o conflito.
— Nosso objetivo era destruir a capacidade de enriquecimento nuclear do Irã e pôr fim à ameaça nuclear representada pelo Estado número 1 do mundo em patrocínio do terrorismo — disse Trump em um discurso à nação na Casa Branca, na noite de sábado.
O sucessor do aiatolá
Pode ser difícil obter informações sobre a liderança iraniana, que é mantida sob sigilo, mas, até o final da semana passada, sua cadeia de comando ainda parecia estar funcionando, apesar de ter sido duramente atingida. Não havia sinais evidentes de dissidência nas fileiras políticas, de acordo com autoridades e diplomatas no Irã.
Khamenei, de 86 anos, está ciente de que Israel ou os Estados Unidos podem tentar assassiná-lo, um fim que ele consideraria um martírio, disseram as autoridades. Diante dessa possibilidade, o aiatolá tomou a decisão incomum de instruir a Assembleia de Peritos de seu país, o órgão clerical responsável pela nomeação do líder supremo, a escolher seu sucessor rapidamente entre os três nomes que ele forneceu.
Normalmente, o processo de nomeação de um novo líder supremo pode levar meses, com os clérigos escolhendo nomes de suas próprias listas. Mas, com o país agora em guerra, disseram as autoridades, o aiatolá quer garantir uma transição rápida e ordenada e preservar seu legado.
— A principal prioridade é a preservação do Estado — disse Vali Nasr, especialista em Irã e professor de Relações Internacionais na Universidade Johns Hopkins. — É tudo calculista e pragmático.
A sucessão tem sido um tema extremamente delicado e espinhoso, raramente discutido publicamente, além de ser tema de especulações e rumores nos círculos políticos e religiosos. O líder supremo tem poderes enormes: ele é o comandante-chefe das Forças Armadas do Irã, bem como o chefe do Judiciário, do Legislativo e do Executivo. Ele também é um Vali Faqih, ou seja, o guardião mais antigo da fé xiita.
O filho de Khamenei, Mojtaba, também clérigo e próximo da Guarda Revolucionária do Irã, que seria um dos favoritos, não está entre os candidatos, disseram as autoridades. O ex-presidente conservador do Irã, Ibrahim Raisi, também era considerado um dos favoritos antes de morrer em um acidente de helicóptero em 2024.
Desde o início da guerra, o aiatolá transmitiu ao público duas mensagens em vídeo gravadas, com cortinas marrons ao fundo e ao lado da bandeira iraniana.
— O povo do Irã se oporá a uma guerra forçada — disse ele, prometendo não se render.
Em tempos normais, Khamenei vive e trabalha em um complexo altamente seguro no centro de Teerã, chamado "beit rahbari" — ou casa do líder — e raramente sai do local, exceto em ocasiões especiais, como para fazer um sermão. Altos funcionários e comandantes militares o procuram para reuniões semanais, e discursos para o público são encenados no complexo.
Seu retiro para um bunker demonstra a fúria com que Teerã foi atingida por uma guerra com Israel que, segundo autoridades iranianas, se desenrola em duas frentes.
Uma delas está sendo travada do ar, com ataques aéreos israelenses contra bases militares, instalações nucleares, infraestrutura energética crítica, comandantes e cientistas nucleares em seus prédios de apartamentos em bairros residenciais. Alguns dos principais comandantes iranianos foram sumariamente eliminados.
Centenas de pessoas também foram mortas e milhares ficaram feridas, com civis assassinados em todo o Irã, afirmam grupos de direitos humanos dentro e fora do país.
Mas autoridades iranianas afirmam que também estão lutando em uma segunda frente, com agentes israelenses secretos e colaboradores espalhados pelo vasto território iraniano, lançando drones contra estruturas militares e de energia críticas. O medo da infiltração israelense entre os altos escalões do aparato de segurança e inteligência do Irã abalou a estrutura de poder iraniana, até mesmo Khamenei, afirmam autoridades.
— Está claro que houve uma violação maciça de segurança e inteligência; não há como negar isso — disse Mahdi Mohammadi, conselheiro sênior do presidente do parlamento iraniano, general Mohammad Ghalibaf, em uma gravação analisando a guerra. — Nossos comandantes seniores foram todos assassinados em uma hora.
O "maior fracasso do Irã foi não descobrir" os meses de planejamento que os agentes israelenses conduziram para levar mísseis e peças de drones para o país a fim de se preparar para o ataque, acrescentou ele.
Protocolo contra 'inimigos'
A liderança do país tem se preocupado com três questões centrais, segundo autoridades: uma tentativa de assassinato contra Khamenei; a entrada dos EUA na guerra; e ataques mais debilitantes contra a infraestrutura crítica do Irã, como usinas de energia, refinarias de petróleo e gás e represas.
O Irã ameaçou retaliar os Estados Unidos atacando alvos americanos na região, mas as opções para o governo iraniano são, na melhor das hipóteses, complicadas. Se retaliar contra os ataques americanos às suas instalações nucleares, poderá se lançar em uma grande guerra com uma superpotência militar.
O medo de assassinato e infiltração nas fileiras do Irã é tão disseminado que o Ministério da Inteligência anunciou uma série de protocolos de segurança, instruindo as autoridades a pararem de usar celulares ou quaisquer dispositivos eletrônicos para se comunicar. Também ordenou que altos funcionários do governo e comandantes militares permaneçam no subsolo, disseram duas autoridades iranianas.
Quase todos os dias, o Ministério da Inteligência ou as Forças Armadas emitem diretrizes para que o público denuncie indivíduos e movimentos de veículos suspeitos, e se abstenha de tirar fotos e gravar vídeos de ataques a locais sensíveis.
O país também está em um apagão de comunicação com o exterior. A internet foi praticamente desligada e as chamadas internacionais recebidas foram bloqueadas. O Ministério das Telecomunicações afirmou em um comunicado que essas medidas visavam a localizar agentes inimigos em terra e desativar sua capacidade de lançar ataques.
— O aparato de segurança concluiu que, neste momento crítico, a internet está sendo usada de forma abusiva para prejudicar a vida e o sustento de civis — disse Ali Ahmadinia, diretor de comunicações do presidente Masoud Pezeshkian. — Estamos salvaguardando a segurança do nosso país desligando a internet.
Na sexta-feira, o Conselho Supremo de Segurança Nacional deu um passo adiante, anunciando que qualquer pessoa que trabalhe com o inimigo deve se entregar às autoridades até o final do domingo, entregar seu equipamento militar e "retornar aos braços do povo". Alertou que qualquer pessoa descoberta nessa função após domingo será executada.
O Globo