Em 22 de junho, horas depois de os Estados Unidos atacarem as instalações nucleares iranianas com potentes bombas antibunker, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil divulgou uma declaração. Ela dizia que o governo brasileiro “condena veementemente” a ação americana e que os ataques foram uma “violação da soberania do Irã e do direito internacional”. Essa linguagem forte colocou o Brasil em desacordo com todas as outras democracias ocidentais, que apoiaram os ataques ou expressaram preocupação.
As demonstrações de amizade do Brasil com o Irã devem continuar nos dias 6 e 7 de julho, quando os Brics, um grupo de 11 economias emergentes que inclui Brasil, China, Rússia e África do Sul, realizar a cúpula anual no Rio de Janeiro. O Irã, que se tornou membro do grupo em 2024, vai enviar uma delegação.
Os Brics são atualmente liderados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No começo, ser membro dos Brics oferecia ao Brasil uma plataforma para exercer influência global. Hoje, isso faz com que o País pareça cada vez mais hostil ao Ocidente.
“Quanto mais a China transforma os Brics em um instrumento de sua política externa, e quanto mais a Rússia usa o grupo para legitimar sua guerra na Ucrânia, mais difícil será para o Brasil continuar dizendo que é não-alinhado”, diz Matias Spektor, da Fundação Getúlio Vargas.
Os diplomatas brasileiros estão tentando contornar o problema concentrando a cúpula em temas inócuos: cooperação em vacinas e saúde; transição para a energia verde; e manutenção do status de nação mais favorecida como base para o comércio internacional, no qual os países tratam todos os membros da Organização Mundial do Comércio de forma igualitária.
Eles querem evitar as conversas sobre um assunto que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, odeia: um esforço liderado pelos Brics para fazer comércio internacional em moedas locais, em vez do dólar. Os diplomatas brasileiros provavelmente prefeririam que os iranianos também ficassem quietos.
“Estamos em um momento de contenção de danos, mais do que em um momento de criação de novos instrumentos”, diz um diplomata brasileiro sênior.
A incoerência de Lula
O papel do Brasil no centro de um Brics ampliado e dominado por países autoritários faz parte da política externa cada vez mais incoerente de Lula. Ele não fez nenhum esforço para estreitar laços com os Estados Unidos desde que Trump assumiu o cargo em janeiro. Não há registro de que os dois tenham se encontrado pessoalmente, tornando o Brasil a maior economia cujo líder não apertou a mão do presidente americano. Em vez disso, Lula corteja a China. Ele se reuniu com Xi Jinping, presidente chinês, duas vezes no ano passado.
Talvez a tática mais sensata de Lula tenha sido a tentativa de tirar proveito da perda de confiança do mundo nos Estados Unidos como parceiro comercial. Ele se aproximou da Europa e expandiu os laços comerciais. Em março, visitou o Japão, que importa a maior parte de sua carne bovina dos Estados Unidos, para promover a carne brasileira como um substituto. Seus ministros têm se reunido com burocratas chineses para discutir maneiras de aumentar as importações agrícolas brasileiras, provavelmente em detrimento das americanas.
Mas isso vem acompanhado de esforços grandiloquentes que ultrapassam em muito o peso do Brasil no cenário mundial. Em maio, Lula foi o único líder de uma grande democracia a participar das comemorações do fim da 2ª Guerra Mundial em Moscou. Ele aproveitou a viagem para tentar convencer Vladimir Putin de que o Brasil deveria mediar o fim da guerra na Ucrânia. Nem Putin, e nem ninguém, ouviu.
Também há pouco pragmatismo perto de casa. Lula não fala com seu colega argentino, Javier Milei, por causa de diferenças ideológicas. Quando assumiu o cargo pela terceira vez, em 2023, ele abraçou Nicolás Maduro, o ditador da Venezuela, apesar de o país ter se tornado uma ditadura completa. (A relação só azedou depois que Maduro roubou abertamente outra eleição no ano passado.) Depois de liderar a missão da ONU para estabilizar o Haiti após um terremoto ter devastado o país em 2010, o Brasil agora permanece em silêncio enquanto o Haiti se transforma em um inferno controlado por gângsteres. Lula parece não estar disposto ou não ser capaz de reunir as nações latino-americanas para apresentar uma frente unida contra as deportações de imigrantes e a guerra tarifária de Trump.
A fraqueza no cenário mundial é agravada pela queda da popularidade de Lula dentro do Brasil. Durante seus dois primeiros mandatos como presidente, de 2003 a 2010, o Brasil colheu os frutos de um boom de commodities, e ele foi um dos líderes mais populares do mundo. Sua força interna conferiu a ele credibilidade no exterior, e muitos de seus pares o viam como uma figura de proa das economias em rápido desenvolvimento.
Agora, porém, Lula está cada vez mais impopular no Brasil. O país embicou para a direita. Muitos brasileiros associam o Partido dos Trabalhadores à corrupção, devido aos escândalos que o levaram à prisão por mais de um ano (condenação posteriormente anulada). Ele construiu o partido com o apoio de sindicatos, católicos com consciência social e beneficiários pobres de programas sociais do governo. Mas hoje o Brasil é um país onde o cristianismo evangélico está em expansão, o emprego na agricultura e na economia informal está crescendo rapidamente e onde a direita também oferece programas sociais.
A popularidade de Lula oscila em torno de 40%, a mais baixa de todos os seus três mandatos. Apenas 28% dos brasileiros dizem aprovar seu governo. Em 25 de junho, o Congresso o humilhou ao rejeitar um decreto que ele havia aprovado para aumentar novos impostos. Foi a primeira vez em mais de 30 anos que os legisladores revogaram um decreto executivo, o que deixará o governo com menos espaço fiscal para gastos antes das eleições gerais do próximo ano.
Enquanto isso, o movimento MAGA de Trump está alinhado com a direita brasileira, ainda liderada por Jair Bolsonaro. O ex-presidente pode ser preso em breve por supostamente planejar um golpe de Estado para permanecer no poder após perder as eleições em 2022, e ainda não nomeou um sucessor para liderar a direita. Mas se o fizer, e a direita se unir em torno desse candidato antes das eleições de 2026, a presidência estará nas mãos deles.
Trump critica abertamente outros líderes muito mais amigáveis com ele do que Lula. No entanto, quase não falou nada sobre o Brasil desde que assumiu o cargo em janeiro. Em parte, isso se deve ao fato de o Brasil se beneficiar de algo que nenhuma outra grande economia emergente possui: um enorme déficit comercial com os Estados Unidos, que chega a US$ 30 bilhões por ano.
Trump certamente gosta quando outros países compram mais dos Estados Unidos do que vendem para eles. Mas seu silêncio também pode indicar que o Brasil, um país distante e geopoliticamente inerte, simplesmente não importa muito quando se trata de questões de guerra na Ucrânia ou no Oriente Médio. Lula deveria parar de fingir que o Brasil é importante nesses temas, e se concentrar em assuntos mais próximos de casa.
Estadão