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Pressão nas redes provoca recuos no governo e desgasta imagem de Lula

Jair Bolsonaro tem nas redes sociais a sua zona de conforto. Por meio delas, conquistou de forma surpreendente a Presidência da República em 2018 e, como governante, anunciou medidas administrativas, atacou adversários, mobilizou apoiadores e colocou sob suspeita o processo eleitoral de 2022, no qual acabou derrotado. Já Lula, seu sucessor, é um político tipicamente analógico, que fez carreira na porta de fábricas, em caravanas pelo país e nos palanques. Apesar dessa diferença de perfil, o petista se rendeu à relevância do universo digital. Depois de reforçar a atuação do PT nas redes sociais na campanha do ano passado, numa tentativa de neutralizar a vantagem do adversário nessa seara, Lula passou a considerá-las um importante elemento para a tomada de decisões no exercício de seu terceiro mandato. Na prática, discursos e ações oficiais são mantidos ou reformados a depender de como repercutem nas principais plataformas. Os ajustes são feitos na velocidade dos novos tempos, tudo com o objetivo de impedir que o mandatário perca popularidade, um ativo ainda mais precioso num país dividido, onde o bolsonarismo tem uma força política incontestável.

Quando está em Brasília, o presidente costuma iniciar seu expediente numa reunião com três ministros do Palácio do Planalto — Rui Costa (Casa Civil), Alexandre Padilha (Relações Institucionais) e Paulo Pimenta (Comunicação Social). No encontro, eles tratam de atos burocráticos, traçam estratégias para o debate político e analisam o noticiário. Essa rotina também era adotada nos mandatos anteriores de Lula. A diferença é que na atual gestão os participantes se debruçam sobre relatórios com os assuntos mais comentados nas redes sociais e dedicam especial atenção àqueles que provocam mais reações positivas e desgastes. Sob a responsabilidade da equipe do ministro Paulo Pimenta, esse material serve de bússola para o governo e ajuda a explicar por que o presidente mudou de postura em temas espinhosos recentemente. Dois casos são emblemáticos: a guerra na Ucrânia e a taxação de compras internacionais no valor de até 50 dólares. Em ambos, a postura inicial do governo gerou críticas contundentes nas redes sociais (e fora delas), que obrigaram a administração petista a mudar de rota. “O processo não é mais como antigamente, quando havia um certo tempo para o amadurecimento das decisões. Tudo agora é necessariamente mais rápido”, diz um ministro.

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No caso da guerra, Lula declarou num primeiro momento que a Ucrânia, invadida, e a Rússia, invasora, eram responsáveis pelo conflito e chegou a sugerir que os ucranianos cedessem parte de seu território aos russos como forma de viabilizar um acordo entre os países. O petista ainda causou mal-estar entre aliados do Ocidente ao afirmar que os Estados Unidos e a União Europeia incentivavam a continuidade da guerra. “Putin não pode ficar com o terreno da Ucrânia. Talvez se discuta a Crimeia. O Zelensky não pode querer tudo”, disse Lula. Foi um estrondoso tiro no pé e no discurso, entoado desde a posse, de que o Brasil voltou com tudo ao cenário internacional, trocando a posição de pária pela de player novamente em ascensão. As críticas ao discurso de Lula foram expressivas nos meios diplomático e digital. Diante delas, o presidente foi orientado a ajustar o tom em sua viagem à Europa. Assim foi feito. Em novas manifestações, Lula afirmou que nunca igualou as responsabilidades de Rússia e Ucrânia e defendeu a integridade territorial do país invadido.

No caso da taxação de itens importados, o peso das redes sociais foi ainda maior. O imbróglio começou quando a equipe econômica anunciou a intenção de acabar com a isenção sobre produtos de até 50 dólares vendidos por pessoas físicas no exterior para pessoas físicas no Brasil. Com a medida, o Ministério da Fazenda pretendia coibir uma fraude tributária, sobretudo de empresas asiáticas, que enviariam produtos ao Brasil como se fossem de pessoas físicas a fim de se livrar das transações do imposto. O fim da isenção resultaria numa arrecadação de 8 bilhões de reais por ano.

As redes varejistas, desgostosas com o que consideram concorrência desleal, festejaram a ideia. Já os compradores de produtos chineses estrilaram, numa reação de grandes proporções no universo digital. A primeira-dama, Rosângela da Silva, a Janja, até tentou contornar a situação, mas sua emenda piorou o soneto. Numa publicação no Twitter, ela declarou que o imposto seria pago pela empresa, desconsiderando que o custo sempre é repassado ao consumidor. Houve, então, um recrudescimento de reclamações, obrigando o governo a desistir da iniciativa, que, segundo Lula, poderia afetar a sua popularidade entre os mais pobres.

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O mesmo mecanismo foi determinante para a demissão do general Gonçalves Dias do cargo de ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência. No dia em que foram divulgadas imagens de integrantes do GSI e do próprio Dias andando dentro do Planalto enquanto radicais bolsonaristas depredavam as instalações do palácio, Lula foi avisado da péssima repercussão nas redes sociais e aconselhado a demitir o general, que chefiou a sua equipe de segurança nos dois primeiros mandatos. A exoneração ocorreu e estancou a sangria, já que acabou prevalecendo a percepção de que o presidente não sabia de nada, foi enganado pelo antigo assessor e o puniu com o rigor devido.

Com apenas quatro meses de mandato, Lula deveria estar vivendo aquele período tradicional de lua de mel com a opinião pública, mas a realidade é um pouco diferente. Pesquisa Genial/Quaest revelou que a avaliação positiva do governo caiu de 40% para 36% entre fevereiro e abril, enquanto a negativa subiu de 20% para 29%. Perguntados sobre qual a notícia mais negativa que ouviram sobre a gestão Lula, 16% dos entrevistados apontaram a taxação dos importados asiáticos. O tema liderou a enquete. Em segundo lugar, com apenas 7%, foi mencionado um genérico item “não faz o que promete/é corrupto”.

O caso da isenção de importados parece pouco importante, considerando-se apenas o potencial de arrecadação, mas encerra um recado preocupante: se houve dificuldade para implantar essa medida específica, dá para imaginar o tamanho do desafio de Fernando Haddad ao tentar, como promete, rever desonerações tributárias e subsídios que estão na casa das centenas de bilhões de reais e beneficiam grandes grupos econômicos.

O governo deixou no ar a sensação de que também pode desistir dessa iniciativa, considerada fundamental para viabilizar o novo marco fiscal, que carece de um aumento substancial de arrecadação. As idas e vindas de Lula e seus tropeços verbais também dão força a uma tese cara aos oposicionistas — e que também ecoa entre alguns governistas — de que o presidente não tem um plano de governo definido nem objetivos claros. No mês passado, Lula ressuscitou seu embate retórico com o senador Sergio Moro, que, quando era juiz, determinou a sua prisão no âmbito da Operação Lava-Jato. O petista comprou uma briga para baixo na hierarquia de poder num momento em que deveria empenhar energia para organizar sua base aliada no Congresso, que tentará aprovar o novo marco fiscal e a reforma tributária, além de controlar a CPI de 8 de Janeiro.

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Conhecido por sua capacidade de encantar plateias, sobretudo aquelas mais adestradas, o presidente também tem cometido escorregões verbais em profusão. Dois deles ocorreram num encontro com autoridades para tratar de prevenção de violência nas escolas. Num dos casos, sobre pessoas com deficiência, Lula pediu desculpas. No outro, sobre games, foi contestado por um de seus próprios filhos (veja o quadro). O perfil da equipe do presidente também ajuda a entender o vaivém governamental. No primeiro mandato, Lula convocou para o governo companheiros de décadas de caminhada. No segundo, pessoas que o ajudaram a resistir ao escândalo do mensalão e a conquistar a reeleição. Em comum, eram assessores com autoridade para confrontá-lo e dizer aquilo que ele não queria ouvir. Gente com esse perfil é minoria agora no entorno do presidente, composto de uma nova geração, na qual despontam, por exemplo, o chefe de gabinete da Presidência, Marco Aurélio Ribeiro. Com pouco entrosamento interno e muita pressão externa, Lula 3 ainda vai mudar muito de rota ao longo do mandato.

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