Artigo O Globo: Lula na encruzilhada

08/05/2024 às 11:27


Lula na encruzilhada

PRESIDENTE NÃO PERCEBEU QUE A SOCIEDADE, E NÃO SÓ A CLASSE MÉDIA, ESTÁ CANSADA DE PRIVILÉGIOS EXORBITANTES DAQUELES NO PODER

Líderes políticos carismáticos só permanecem competitivos se capazes de responder aos anseios da sociedade. Pairando acima dos partidos, dependem de um “fio terra”, uma compreensão do que move o eleitor. Lula, em seu terceiro mandato, parece ter perdido essa conexão. Nos 12 anos em que esteve fora do poder, o país mudou, e Lula permaneceu o mesmo, sem a intuição para tomar o pulso da população, como um dia tomou o dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo.

Há países bem-sucedidos que não são governados por líderes carismáticos, mas por partidos que se unem em torno de um programa, e não ficam na dependência da visão particular ou das idiossincrasias de quem lidera. Aqui, Lula ainda não percebeu que a sociedade — e não apenas a classe média — está cansada de privilégios exorbitantes daqueles no poder e repele a corrupção em todas as instâncias. A Lava-Jato, apesar dos seus eventuais erros, foi um marco na luta contra o desvio de recursos públicos, atingindo pela primeira vez o modus operandi de fazer política no país, a graxa que move suas engrenagens, e expondo o assalto em escala a empresas públicas. A operação foi golpeada no governo Bolsonaro; está sendo enterrada agora. O que Lula tem a dizer sobre corrupção? Qual a iniciativa tomada em seu governo para reforçar as instituições de combate aos desvios de recursos públicos, desta vez também impulsionados pela falta de controle sobre as emendas parlamentares?

Se muitos na sociedade ainda sonham com um concurso público, e outros com carteira assinada, há uma classe crescente de indivíduos que almejam ser patrões de si mesmos. São empreendedores que rejeitam o paternalismo e o intervencionismo de outros tempos. Não aceitam mudar o regime do motorista de aplicativo como se assalariado fosse, e sua sindicalização como algo desejável. O Projeto de Lei enfiado goela abaixo da categoria em “regime de urgência” (PL 12/2024), com erros crassos (normalizando uma remuneração mínima por hora, e não por quilômetro), só pode ser obra de quem nunca usou o aplicativo. Por não entenderam, alienaram centenas de milhares de motoristas. Como não entenderam a importância de o comércio permanecer aberto aos domingos para comerciários e consumidores. Quantos erros mais de primeira ordem, com enorme custo político, um auxiliar necessita cometer para ser demitido?

Mas, se alguns não entendem a rejeição às suas iniciativas, outros usam de chacota para esconder seus erros. Afirmar que o gasto previdenciário — e o crescente déficit da Previdência — “se mede com felicidade”, quando na realidade é sinônimo não apenas de uma conta atuarial insustentável, mas de sérios problemas de gestão, deveria ter levado Lula a admoestar publicamente seu auxiliar. Afinal, quanto maior o déficit — projetado em 2,5% do PIB em 2024, mais do que a soma dos investimentos públicos e privados em infraestrutura no país, que permanece abaixo de 2% do PIB —, de menos recursos o governo dispõe para responder às demandas da sociedade.

Lula está numa encruzilhada; e não lhe resta muito tempo. Necessita ouvir os críticos, muitos dos quais o apoiaram, a franja crescente da sociedade cada vez mais desiludida com o governo. Deve recusar propostas populistas, que dão respostas simples (e custosas) a problemas complexos, quando não os agravam — a exemplo da recente MP 1.212 do setor elétrico. Deve resistir às vozes que propõem aumentar sem critério e sem avaliação os gastos públicos, fragilizando ainda mais o novo arcabouço fiscal e pressionando juros e inflação. E deve ter a coragem de defender os auxiliares que tentam manter os alicerces programáticos do governo no âmbito econômico, social e ambiental e de descartar aqueles que não têm o que mostrar ou agem em proveito próprio. A sociedade aguarda um freio de arrumação.

Cláudio Frischtak é economista

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