Um recorrente debate está prestes a tomar conta da discussão em torno da sucessão de Francisco: a Igreja deve seguir o legado do Papa, ou promover uma nova mudança de rumo? Como o pontificado do mais recente ocupante da Cátedra de Pedro foi marcado por um caráter reformista, a pergunta mais precisa é se a Santa Sé irá ou não retomar o rumo tradicional e doutrinário que marcou o mandato da maioria dos pontífices ao longo de sua longeva história?
Os debates formais e de corredores que constumam anteceder o Conclave serão animados e inevitavelmente pautados por um balanço do mandato de Francisco. Quando os cardeais decidiram buscar um sopro de renovação, há 12 anos, apostaram em um clérigo que hávia conseguido bons resultados no sul global, espécie de depositário de fervorosos fieis, onde a fé e o anseio por certa “justiça social divina” ainda se mantinham acesos, enquanto os católicos do mundo desenvolvido pareciam mais interessados em gozar dos privilégios que o plano terreno é capaz de oferecer.
O “efeito Francisco”, contudo, foi limitado, especialmente pela vertiginosa conversão religiosa ao protestantismo que ocorre na América Latina e em diversos países da África, fenômeno particularmente notado no Brasil, ainda o maior país católico do mundo, onde os evangélicos avançam como em nenhum canto do mundo.
Os louros reconhecidos do pontificado de Francisco devem se limitar ao progresso considerável na questão da crise de abuso sexual na Igreja e a bem vinda reestruturação financeira de uma instituição bilionária, marcada por administração corrupta e opaca.
Algumas mudanças, como a a abertura às mulheres em cargos de relevância no Vaticano, o aceno aos homossexuais e a aproximação com lideranças de outras religiões, como os muçulmanos, contudo, estão longe de serem unanimidade na cúpula do catolicismo.
Político hábil, com aliás costumam ser o jesuítas, Francisco trabalhou nos bastidores para que aspectos reformistas de sua gestão fossem levados à frente: isolou cardeais conservadores das mais importantes congregações, demitiu ou afastou funcionários de cargos relevantes, incluindo o líder do escritório de fiscalização doutrinária da igreja, e nomeou pessoas de sua confiança para postos estratégicos.
Mais de metade do atual colégio cardenalício que irá votar no Conclave foi nomeada por Francisco, que tratou de escolher quem agraciava com seu poder divino. Nesses casos, como era de se esperar, tratou de seguir a calibragem imposta por si mesmo à bússola da nau de Pedro, levando em consideração a proximidade com os pobres, a preocupação com as desigualdades sociais, o acolhimento das minorias e um olhar especial para questões ambientais, como as mudanças climáticas.
São temas que devem pautar o próximo Conclave, que terá ainda um outro componente especial: desde 1978 o Vaticano não elege um pontífice italiano. Dias agitados e intensos se avizinham em Roma.
VEJA