O STF que Barroso não quer ver
Em nota repleta de falácias, presidente do STF rebate editorial da ‘The Economist’ que disse apenas o óbvio: que na atual toada a Corte corre o risco de perder ainda mais credibilidade
Como fez recentemente com este jornal, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, decidiu rebater críticas da tradicional revista britânica The Economist à Corte. O ministro faria melhor se optasse pelo silêncio.
Num editorial intitulado A Suprema Corte do Brasil está sob julgamento, acompanhado de uma reportagem (O juiz que governaria a internet, referindo-se ao ministro Alexandre de Moraes), a publicação britânica denunciou a concentração de poder no Supremo, apontando três riscos: a deterioração da qualidade de suas decisões em razão da expansão de suas competências, a degradação da confiança pública e a violação de liberdades fundamentais.
Nada do que já não tenhamos notado nesta página e nada do que comentaristas de boa-fé já não tenham alertado, na esperança de que houvesse uma correção de rumo, para o bem do próprio Supremo e da democracia. Como se vê, debalde.
Em nota eivada de diversionismos, sofismas e até inverdades, Barroso tentou desmentir os fatos listados pela The Economist. Ao fazê-lo, apenas os ratificou. Tentou desmoralizar a revista, mas acabou desmoralizando a si e à Corte que preside.
Barroso afirma que os acusados pelos atentados do 8 de Janeiro estão sendo processados conforme o devido processo legal. Mas, para começar, essas pessoas, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro, nem sequer deveriam estar sendo julgadas pelo STF. Se estão, é só porque a Corte alterou casuisticamente sua própria jurisprudência sobre regras constitucionais, como a do foro privilegiado.
A revista criticou, corretamente, a derrubada arbitrária de contas de bolsonaristas na rede social X por parte do ministro Moraes, o que obviamente configura censura. Em sua resposta, Barroso diz que houve “remoção de conteúdo”. Ora, suspender uma conta numa rede social, impedindo seu dono de se manifestar ali, é muito diferente de remover apenas “conteúdo”. Isso deveria ser claro para o presidente do principal tribunal do País.
Ao contestar a The Economist por ter criticado a ordem de Moraes que bloqueou a rede X no Brasil, Barroso enfatizou a legalidade da decisão do ministro. Mas o presidente do STF convenientemente não rebateu a informação de que o mesmo Moraes, em sua queda de braço com Elon Musk, dono do X, mandou congelar as contas bancárias da Starlink, empresa de Musk que nada tem a ver com a rede social, até que as multas impostas ao X fossem pagas.
Além disso, a The Economist questiona por que razão o julgamento de Bolsonaro e dos demais acusados de tentativa de golpe vai ocorrer numa turma do STF, e não no plenário. É uma boa pergunta, sobretudo quando se considera, como faz a revista, que dos cinco ministros dessa turma, pelo menos três deveriam se declarar suspeitos: o próprio Moraes, por constar como vítima do suposto complô golpista; Flávio Dino, que foi ministro da Justiça do presidente Lula da Silva, antípoda de Bolsonaro; e Cristiano Zanin, que foi advogado de Lula.
Para Barroso, contudo, “a regra de procedimento penal em vigor no tribunal é a de que ações penais contra altas autoridades sejam julgadas por uma das duas turmas do tribunal, e não pelo plenário” e que “mudar isso é que seria excepcional”. Ora, essa regra regimental não valia no julgamento do mensalão, por exemplo. O que não deveria mudar é a regra constitucional do foro privilegiado, mas aqui parece ter valido o princípio da “excepcionalidade”.
A título de questionar a imparcialidade do tribunal, a revista disse que Barroso declarou em 2023 que “nós derrotamos Bolsonaro”. Trata-se de uma imprecisão – a frase correta é “nós derrotamos o bolsonarismo”. Foi o bastante para que Barroso alegasse que “nunca disse” tal coisa. O truque retórico do presidente do Supremo chega a ser ofensivo à inteligência alheia. Quem quiser pode procurar o vídeo em que um animado Barroso discursa, como se estivesse num comício, dizendo “nós derrotamos o bolsonarismo”, o que deveria bastar para atestar sua parcialidade no julgamento do ex-presidente.
Mas nem é preciso se dar a esse trabalho: basta ler o último parágrafo da nota de Barroso, em que ele acusa a The Economist de se alinhar “à narrativa dos que tentaram o golpe de Estado”, para saber que os réus já estão condenados.
Editorial Estadão