O pastor Valdinei Ferreira foi demitido da Fatipi, faculdade de teologia da Ipib (Igreja Presbiteriana Independente do Brasil). Ele associa a dispensa à publicação de um artigo seu na Folha no último dia 17: "Judas traiu Jesus ou Jesus Traiu Judas?".
Segundo Ferreira, a falsa hipótese de que ele teria empurrado para Jesus a pecha de traidor passou a circular pela internet. Pressionada, a diretoria da faculdade teria então rompido o contrato com ele, diz.
A FECP (Fundação Eduardo Carlos Pereira), mantenedora da Fatipi, enviou nota ao jornal dizendo que Ferreira foi excluído do quadro docente após uma avaliação regular sobre seu trabalho. Também afirmou que publicações veiculadas "sem a anuência da Fatipi ou da FECP são de responsabilidade exclusiva de seus autores".
No texto em questão, Ferreira fala sobre "o maior vilão da história", Judas Iscariotes, "o amigo que traiu Jesus com um beijo". Recorre então a uma tese do teólogo Jean-Yves Leloup, que é também sacerdote da Igreja Ortodoxa, para relativizar a imagem vilanesca atribuída a Judas.
"O objetivo de Leloup não é transformar Judas em herói, mas humanizá-lo", diz o pastor presbiteriano no artigo. "Ele não busca o ‘Judas histórico’, mas o ‘Judas arquétipo’, que simboliza as sombras presentes em cada pessoa e como todos somos capazes de fazer o mal acreditando estar fazendo o bem."
O argumento teológico se baseia num evangelho apócrifo vinculado a Judas, que questiona a versão de que ele teria traído seu mestre apenas por ganância.
Diz esse evangelho que Jesus teria pedido ao discípulo que o entregasse às autoridades. "Segundo Leloup, Jesus teria ‘enganado’ Judas" por saber que ele integrava um grupo armado que lutava contra os romanos e supôs que aquela prisão "desencadearia um conflito no qual o Messias, entendido como um libertador militar, se revelaria", escreve Ferreira.
Como Jesus não teria resistido à prisão, Judas teria se sentido traído por ele. "Entrou em desespero e tirou a própria vida enforcando-se."
Filipe Sabará, ex-secretário na prefeitura de João Doria e parte da equipe de Pablo Marçal na última corrida municipal, ajudou a impulsionar a versão de que Ferreira teria chamado Jesus de traidor.
"Você não leu errado. A Folha fez isso mesmo, publicou uma opinião questionando quem traiu quem, se Jesus ou se Judas. E fez isso na véspera da Páscoa", Sabará postou em suas redes sociais.
Ferreira diz que foi "carimbado como um herege e um colaborador que estava tentando reabilitar Judas, dizendo que Jesus traiu Judas", o que não seria uma interpretação correta para seu texto. "Isso circulou muito na igreja durante o feriado [da Páscoa]. E a diretoria da minha igreja foi pressionada."
Ele afirma que se colocou à disposição para "colaborar num processo de esclarecimento e pacificação", mas não foi ouvido. "Só fui comunicado que a demissão era sem justa causa. Insisti que me dissessem o motivo extraoficialmente, disseram que era por causa do artigo."
Alunos do curso de teologia divulgaram uma carta em defesa do pastor. "A ausência do professor, cuja atuação foi sempre reconhecida por sua excelência didática, ética pastoral e compromisso com os valores acadêmicos e cristãos, causou surpresa e apreensão", diz o texto.
A Folha conversou com pessoas ligadas à Fatipi, que confirmaram o desligamento de outros dois ex-funcionários em anos recentes, por posicionamentos públicos internamente malquistos —a participação num evento organizado pelo deputado Henrique Vieira, pastor filiado ao PSOL, e a ligação com uma igreja inclusiva, que aceita membros da comunidade LGBTQIA+.
Questionado se a demissão de Valdinei Ferreira teve a ver com seu artigo sobre Judas na Folha, o presidente da FECP, Heitor Pires Barbosa Jr., disse que "mesma deu-se sem justa causa" e que "cada autor responde pessoalmente pela publicação" de ensaios publicados sem aval da fundação.
Folha de São Paulo