O próximo conclave já começou, e a disputa pelo futuro da Igreja Católica será decidida por um tabuleiro montado peça por peça por Francisco. Mais do que a origem geográfica ou as alianças políticas, será a idade dos cardeais e o perfil institucional do colégio que moldarão a escolha do novo papa.
Três fatores organizam a disputa: a composição jovem do colégio cardinalício, a idade ideal buscada para o futuro papa e os filtros institucionais que limitam o campo de candidatos.
Cerca de 80% dos cardeais eleitores foram nomeados por Francisco. Mais do que a origem ou a linha teológica, o que define essa maioria é a idade: são, em grande parte, cardeais jovens. Francisco formou um colégio que poderá atravessar dois conclaves, a depender da idade do próximo eleito. A divisão geracional, mais do que a política, será a linha mestra da disputa.
A idade do futuro papa será uma variável estratégica. Os cardeais dificilmente elegerão alguém muito jovem, como João Paulo 2º, que assumiu aos 58 anos e permaneceu por mais de 25. Tampouco buscarão alguém muito idoso. A faixa considerada ideal se concentra nos nascidos entre 1951 e 1960: uma escolha capaz de garantir estabilidade, mas sem monopolizar o cargo por décadas.
O perfil institucional também é desenhado a partir de exclusões. Dificilmente será eleito outro jesuíta ou um latino-americano. Embora existam nomes africanos fortes, internamente prevalece a avaliação de que a Igreja ainda não dispõe de estruturas consolidadas para sustentar um papado africano. A diplomacia e a gestão institucional continuam pesando mais do que a representatividade geográfica. Se houver um papa africano, será pelo perfil de liderança, não pela origem.
Considerando esses filtros, a lista de nomes viáveis se estreita. As apostas mais sólidas recaem sobre três cardeais: Pietro Parolin, secretário de Estado do Vaticano; Matteo Zuppi, arcebispo de Bolonha; e Robert McElroy, arcebispo de Washington.
Entre os nomes emergentes, destaca-se Fridolin Ambongo Besungu, cardeal de Kinshasa, na República Democrática do Congo. Com forte atuação na defesa dos direitos humanos e liderança no episcopado africano, Ambongo combina fidelidade ao espírito reformista de Francisco com capacidade de articulação política. Sua influência no continente e sua habilidade diplomática o colocam como nome viável, independentemente da origem geográfica.
Há ainda figuras que encarnam o espírito de Francisco, como Jean-Marc Aveline, cardeal de Marselha. Com forte atuação no diálogo inter-religioso e nas migrações, Aveline é visto como uma opção respeitável entre os cardeais reformistas, embora hoje esteja fora do grupo principal de favoritos.
Entre os que perdem força, estão Péter Erdo e Luis Antonio Tagle. Erdo, associado a setores conservadores, representaria uma guinada clara nesse sentido. Mas o colégio atual, mais dividido e complexo politicamente, dificilmente convergirá para um nome tão marcado. Já Tagle, um dos nomes de maior peso da ala progressista, perdeu protagonismo desde que deixou a Ásia para atuar na Cúria Romana –o órgão de governo central da Igreja, responsável pela administração do Vaticano. Internamente, comenta-se que na Cúria ele não conseguiu exercer a mesma liderança e visibilidade que tinha como arcebispo em Manila.
Apesar da existência de favoritos, a dinâmica de um conclave é marcada por acordos, vetos e realinhamentos de última hora. A lista de papabili inclui de 30 a 35 nomes em um colégio de cerca de 130 cardeais eleitores —número que reflete os filtros atuais: candidatos que não sejam jesuítas, nem latino-americanos, e que estejam na faixa etária considerada ideal para garantir estabilidade sem prolongar demais o pontificado.
O próximo conclave não decidirá apenas quem será o papa, mas qual será o futuro possível do catolicismo global. Francisco terá saído da cena, mas continuará a moldar o destino da Igreja: forjou uma maioria jovem, capaz de atravessar sucessões e prolongar seu projeto. Mesmo ausente, continuará elegendo papas.
Folha de São Paulo