O presidente Luiz Inácio Lula da Silva saiu da China contrariado. O noticiário nos dá conta de que o chefe do Executivo ficou fulo com o vazamento de conversas durante um encontro dele com o líder da China, Xi Jinping. O motivo do azedume presidencial está no fato de que a primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, foi o alvo das inconfidências palacianas.
Integrantes da comitiva de Lula relataram ao G1 que Janja havia protagonizado um momento constrangedor ao pedir a palavra para falar com Xi Jinping sobre a plataforma TikTok por conta de um algoritmo que para ela é favorável à disseminação de informações de direita.
Indagado sobre o episódio na sua última manifestação pública antes de embarcar de volta ao Brasil, Lula expôs seu agastamento. “A primeira coisa que acho estranho é como é que essa pergunta chegou à imprensa. Porque estavam só os meus ministros lá, o Alcolumbre e o Elmar. Alguém teve a pachorra de ligar para alguém e contar uma conversa de um jantar muito confidencial e pessoal”, disse Lula.
O tema teria voltado durante o voo de regresso de Lula e seus ministros. Há um clima de caça às bruxas para saber quem dedurou a fala de Janja. O presidente está duplamente indisposto. Primeiro, o caso exporia o governo querendo ajuda da China para controlar uma rede social, coisa que o governo chinês faz impondo censura às plataformas ocidentais. Segundo, há a questão pessoal: alguém de sua confiança tornou pública a intriga mirando Janja.
As relações palacianas costumam oscilar entre um clima de ordem unida e de serpentário. Na disputa por mais poder, políticos podem se aliar ou puxar tapetes. Lula enxerga agora a segunda opção. Vê conspiração no Planalto contra sua mulher.
O ministro da Casa Civil, Rui Costa, dono do posto mais importante no Palácio, cujo cargo detém poder de fazer andar ou não os projetos governamentais, anda dizendo que tem “fogo amigo” querendo colocá-lo no papel do inconfidente.
Não será surpresa se o caso render novos desdobramentos internos. Quem estiver sob a suspeita do presidente pode estar com os dias contados. Seja ele quem for.
A imagem de Lula está afetada pelo episódio. Seja no plano institucional, seja no pessoal. Há quem defenda que Janja não poderia ter falado no encontro. Ela não tem mandato, nem cargo no governo.
Mas, até onde se sabe, na reunião também estava presente a primeira-dama da China, Peng Liyuan. Aí surge uma questão para os homens e mulheres do nosso tempo e cuja resposta ainda não está posta: a esposa da autoridade pode entrar na reunião, mas só pode ficar calada fazendo papel de adorno?
Se a primeira-dama tem direito a voz, suas intervenções deveriam estar contidas dentro do que o governo quer de um encontro com chefe de Estado de outro país. Do contrário, tem-se um deslize diplomático.
Francisco Leali - Estadão