Driblar o Orçamento é vocação petista
Governo Lula quer ampliar atendimento médico especializado, uma medida louvável, mas, de novo, ignora o Congresso e o arcabouço fiscal ao turbinar gastos fora das regras republicanas
O governo Lula da Silva anunciou recentemente que hospitais privados e filantrópicos que queiram aderir ao Programa Agora Tem Especialistas poderão abater até 50% das dívidas que possuem com a União. A ideia é recuperar parte dos R$ 34 bilhões devidos por essas instituições com a prestação de serviços ao Sistema Único de Saúde (SUS) até 2030. Serão gerados créditos de R$ 2 bilhões por ano para atendimento nas áreas de oncologia, ginecologia, cardiologia, ortopedia, oftalmologia, otorrinolaringologia e saúde da mulher.
O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, revelou, em entrevista exclusiva ao Estadão, que os planos de saúde também poderão trocar suas dívidas com a União para atender à demanda do SUS, no montante de até R$ 2,5 bilhões. Essas dívidas, que surgem quando um cliente de uma operadora é atendido na rede pública, hoje somam R$ 9 bilhões. O governo está de olho nesse dinheiro para turbinar o programa que pode, na avaliação de aliados, ajudar a estancar a crise de popularidade.
O Agora Tem Especialistas é uma promessa de campanha e visa a ampliar a oferta de consultas, exames e cirurgias. Embora o governo não tenha divulgado dados sobre a demanda reprimida, algo necessário quando se discute, elabora e executa uma política pública, não restam dúvidas de que a população carece desse atendimento no SUS, uma vez que apenas 10% dos especialistas trabalham exclusivamente na rede pública. A iniciativa é meritória. O problema é que, para contornar esse cenário de filas, o governo lulopetista recorreu a uma estratégia bastante arriscada.
De acordo com Padilha, o programa vai mobilizar R$ 16 bilhões, já consideradas as verbas do Orçamento destinadas ao Ministério da Saúde e os valores abatidos das dívidas de hospitais e planos de saúde. Para isso, o presidente Lula da Silva assinou recentemente uma medida provisória (MP), subscrita também pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a fim de “legalizar” esse desenho do programa.
O governo cria um instrumento que amplia na prática os recursos para a pasta da Saúde sem submeter essa decisão ao processo orçamentário, que inclui a elaboração de uma proposta de lei bem mais complexa do que uma MP. Isso ocorre porque o atual governo, além de ser fraco politicamente, tem uma dificuldade imensa para cortar gastos. Optou-se pela “criatividade fiscal”, como escreveu o pesquisador associado do Insper Marcos Mendes, em recente coluna no jornal Folha de S.Paulo.
De acordo com Mendes, os hospitais serão pagos com um “vale” em troca da quitação das suas dívidas sem que consultas, exames e cirurgias entrem na conta de “serviços médicos” no Orçamento, em um evidente drible também ao arcabouço fiscal, que, em tese, deveria resultar em alguma racionalidade às contas públicas. O arcabouço, cujo objetivo final é frear a trajetória de alta da dívida pública, será maquiado.
Trata-se de uma manobra na âncora fiscal, o que infelizmente tem se mostrado recorrente no governo lulopetista. São inúmeras as iniciativas de criatividade fiscal adotadas, a exemplo do que já foi visto no passado com as pedaladas fiscais de Dilma Rousseff. A reincidência no erro é método, do contrário o atual governo não teria driblado o Orçamento, e por consequência o arcabouço fiscal, ao lançar o Pé-de-Meia, ao socorrer o Rio Grande Sul das enchentes nem ao usar dinheiro da Usina de Itaipu para bancar obras da COP-30 em Belém, a milhares de quilômetros de Foz do Iguaçu, no Paraná. Sem contar as manobras com o dinheiro de fundos públicos ou privados que nunca volta ao Tesouro.
Sem dinheiro para gastar, sem prioridade para governar na escassez, sem critério para cortar o que não dá resultado e sem competência para escolher o que é importante para o Brasil, a gestão lulopetista repete os erros pretéritos, aprofunda a deterioração das contas públicas e oferece serviços tardios e precários à população. Pode até dar voto, mas é péssimo para o País.
Opinião do Estadão