A primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, tentou hoje distorcer uma discussão relevante. Na abertura da Semana Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, na sede do Tribunal de Contas da União (TCU), buscou justificar sua fala na China, junto ao ditador Xi Jinping, na semana passada, em que aparentemente pediu restrições à rede Social Tik Tok no Brasil contra a “extrema-direita”.
Agora, deu a entender que foi criticada, após o vazamento da conversa, por descumprir protocolo, por misoginia, por defender crianças e adolescentes. “Não há protocolo que faça calar”, disse, grandiloquente. Nada disso. O núcleo da reprovação à atitude da primeira-dama no país asiático foi, supostamente, por ela solicitar a uma ditadura algum auxílio para controlar uma rede social por motivos políticos. E, pior, com a anuência do marido e presidente Lula.
O que a primeira-dama tentou hoje foi o que se chama – sobretudo no jornalismo americano – de “spin”. Tentar alterar a percepção das pessoas sobre os fatos que se consolidavam. A questão é que não deve convencer ninguém, além dos apoiadores de sempre. Pesa a apreensão, tanto sobre ela quanto sobre o presidente Lula, de dificuldades de convivência com o contraditório, ainda mais o ruidoso.
O governo segue na ilusão de que o debate nas redes sociais turva a visão sobre a administração petista à frente do Palácio do Planalto. Como se as redes não nos deixassem entender como eles são excelentes. E para isso sonham com uma solução drástica. Algum tipo de controle. É meio do DNA do petismo tutelar a sociedade. Não seria diferente com uma militante de décadas do partido, como a primeira-dama.
Que as redes, dirigidas por grandes corporações, estão coalhadas de informações e dados pusilânimes, quase ninguém nega. Entretanto, os debates para regulamentá-las não obtiveram um consenso nas seguintes questões: quem irá fazer o controle e como? Um órgão de Estado? É possível isenção política para tal entidade?
Verdade e mentira são conceitos fluidos em política. Estão sempre em disputa. Um grupo de poder tenta convencer a sociedade de que é detentor da verdade e joga a mentira em outro, vice-versa. Tem sido assim nos últimos milênios e dificilmente irá mudar. Já quem tem temperamento autoritário irá sonhar com algum tipo de supervisão. Com um lugar onde se possa definir a última instância de verdade. A cacofonia das discussões incomoda muita gente.
Nesse debate brasileiro, o bolsonarismo tenta-se arrogar como defensor da “liberdade de expressão”. É algo oportunista e hipócrita. Trata-se de um movimento político nostálgico da ditadura militar instaurada em 1964 que teve como prática institucional a aplicação da censura nos órgãos de comunicação brasileiros. Mas, de qualquer forma, é notável que a esquerda tenha perdido essa bandeira libertária para adoradores de regimes repressivos de direita.
Janja está no direito dela de se defender, é da luta política. Resta à primeira-dama, neste momento, dizer que é perseguida, afirmar que defende os mais vulneráveis. Entre as críticas direcionadas a ela, há também o machismo – mas não se reduz ao preconceito. A questão é que Janja adentrou em terrenos perigosos de flerte com ditadores e suas ações em território chinês não parecem ser compatíveis com quem tem a democracia como valor primeiro.
Fabiano Lana - Estadão