A sinuca dos Correios
A esta altura, privatizar uma empresa com patrimônio líquido negativo de R$ 6 bi, com funcionários demais, produtividade de menos e participação pífia no mercado será muito difícil
Informa-se que, em março, o patrimônio líquido dos Correios estava negativo em R$ 6 bilhões. Isso significa que o passivo (dívidas totais) superava em R$ 6 bilhões os ativos (bens e dinheiro em caixa). Esse valor é importante para dimensionar a dificuldade que o Brasil teria caso o governo Lula da Silva resolvesse, num surto de bom senso, privatizar a empresa: qualquer interessado em comprar os Correios, mesmo que pagasse apenas um valor simbólico, teria de injetar esse caminhão de dinheiro logo de saída para capitalizar a companhia. Ou seja, neste caso o barato sairia extremamente caro, razão pela qual é difícil – quase impossível – falar em privatização dos Correios.
A cada dia que passa, portanto, fica mais difícil de justificar até mesmo a mera existência da estatal. As empresas privatizadas no passado, como Vale, Embraer e Eletrobras, atraíram grande interesse porque tinham participação relevante em seus respectivos mercados. Há um par de décadas, os Correios tinham essa relevância, e certamente seriam bastante disputados caso fossem a leilão. Atualmente, contudo, diante da fortíssima concorrência de empresas extremamente bem preparadas e agressivas no mercado de entregas, ninguém em sã consciência aceitaria assumir os Correios e gastar bilhões para começar a saneá-los e colocá-los em condições de ao menos disputar as migalhas deixadas pelas gigantes que dominam o setor. E isso mesmo considerando que os Correios desfrutam de imunidade tributária e detêm o monopólio postal no País.
O cenário é devastador, ano a ano. Em 2022, o resultado de seu balanço foi negativo em R$ 767 milhões; em 2023, o prejuízo foi de R$ 596 milhões; em 2024, registrou-se um recorde de R$ 2,6 bilhões negativos; e apenas no primeiro trimestre de 2025 o prejuízo chegou a R$ 1,7 bilhão. No ano, a expectativa é de que as perdas atinjam R$ 3 bilhões. Nada disso é fruto de qualquer despesa extraordinária.
Os Correios teriam de registrar sucessivos lucros para reverter a situação, algo mais do que improvável, ou receber aportes por meio de capitalização – o que se esperava que ocorresse com a privatização, processo iniciado em 2021, mas que foi descartado pelo governo Lula da Silva no início do atual mandato. Lula e o Partido dos Trabalhadores (PT) obviamente jamais permitiriam a privatização.
O argumento oficial para manter a empresa estatal é garantir a universalização dos serviços postais, já que, com cerca de 10 mil agências (próprias, comunitárias, franqueadas e permissionárias), os Correios atendem a praticamente todos os municípios do País, mesmo nas regiões mais remotas. Ora, o mesmo serviço poderia ser prestado, em ambiente de ampla concorrência, por empresas privadas, que ganhariam o direito de explorar a concessão sob o compromisso de respeitarem uma regulação sólida e bem desenhada.
Na falta de justificativa realista para manter os Correios mesmo diante do brutal prejuízo, o governo inventa missões para a empresa, como atender a aposentados tungados pelas fraudes no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). E não se pode esquecer que, não faz muito tempo, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, disse que os Correios poderiam, ora vejam, substituir o Uber se este resolvesse cumprir a ameaça de deixar o Brasil.
Mesmo numa era em que quase ninguém mais manda cartas, os Correios mantêm um robusto quadro de funcionários – em torno de 83 mil, sendo 46 mil carteiros. Há planos de demissão voluntária em andamento, para tentar reduzir despesas, mas recentemente a empresa fez concurso para 3.500 novos cargos. O custo com pessoal somou R$ 2,77 bilhões no primeiro trimestre de 2025, quase 10% acima do verificado no mesmo período do ano passado.
E é uma empresa generosa: mesmo diante de todo o prejuízo, concedeu em 2024 a cada um de seus funcionários R$ 2,5 mil a título de bonificação extra de fim de ano, o chamado “vale-peru”. Nada disso condiz com uma empresa que, pelas métricas do setor privado, está falida.
Opinião do Estadão