Ainda há esperança no Ministério Público do RN, graças a promotores como Wendell Beetoven. Ele não engoliu a nota ridícula enviada pelo Comando da Polícia Militar para explicar o "censo" que visava saber a religião dos PMs e cobrou uma série de explicações sobre a situação. Dentre elas, as seguintes:
Oficiar ao Comandante-Geral da Polícia Militar, com cópia deste despacho, requisitando que informe, no prazo de 10 dias, as providências em curso para a realização de concurso público para o cargo de oficial-capelão e ainda se manifeste sobre:
a) a juridicidade da restrição do acesso ao cargo aos católicos e evangélicos;
b) se pretende aplicar, no âmbito estadual, a Lei Federal nº 6.923/1981;
c) qual o dispositivo legal específico que aumentou de cinco para oito o número de oficias capelães;
d) quais a lei estadual que relaciona as competências do cargo de capelão;
A cobrança de explicação é consequência do fato de que foi publicado no boletim geral da PM "a determinação dirigida a todos os policiais militares da ativa para o 'preenchimento dos dados referente à sua religião na aba OPÇÃO RELIGIOSA, sob pena de responder administrativamente pelo descumprimento'".
A razão da determinação, de acordo com a última consideração do ato, é “a necessidade de conhecimento da opção religiosa do efetivo ativo desta Corporação, a fim de instruir o processo seletivo do concurso público para Capelão da Polícia Militar do Rio Grande do Norte”.
O promotor lembra que, após a divulgação do fato na imprensa local, a PMRN divulgou a seguinte nota:
“A Polícia Militar do Rio Grande do Norte (PMRN) esclarece que a solicitação aos policiais para informar a sua preferência religiosa é para atualização cadastral da tropa, em forma de 'Censo”, para obtenção de índice, tendo em vista, um novo concurso para Capelão da Polícia Militar, que será realizado em breve.
A solicitação atende aos artigos 4º e 10 da Lei Federal nº 6.293/1981 que visa identificar a quantidade e representatividade das denominações religiosas na Corporação, atendendo ao princípio de proporcionalidade que o certame exige.
Inclusive, dentro do formulário do “Censo”, que precisa ser realizado com 100% do efetivo, consta que uma opção para que não necessite da informação sobre a religião, sendo assim, o policial também tem a escolha de não expor qual a sua religião.
Desta forma, considerando o quadro de vagas de capelães da PMRN, que prevê uma vaga para capelão evangélico e duas para católicos, há a necessidade de confirmar qual é a denominação religiosa que tenha maior expressividade na Instituição, para não haja nenhum risco de incluir um candidato que não represente a maioria.”
O promotor alertou que a "lei mencionada na nota (com numeração equivocada) é, na verdade, a Lei nº 6.923, de 29 de junho de 1981, que dispõe sobre o Serviço de Assistência Religiosa nas Forças Armadas. Essa lei federal, contudo, não é aplicável às Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, instituições em relação às quais o ingresso – sempre por concurso público – é regido exclusivamente pela legislação do respectivo Estado".
CRITÉRIOS
O promotor Wendell Beetoven destacou que, para o ingresso na PMRN ou CBMRN, o candidato a oficial-capelão de ser aprovado em concurso público e no curso de formação de oficiais, ter entre 21 e 40 anos de idade e possuir a “graduação em nível superior em formação teológica regular, reconhecido pela autoridade eclesiástica de sua religião”.
Como se pode observar, a lei de fixação de efetivo restringe o exercício do cargo de capelão da Polícia Militar apenas aos que professam o cristianismo, mesmo assim limitando às religiões católica e evangélica. Além da restrição no ingresso (como primeiro-tenente), os postos superiores na hierarquia do quadro específico (capitão e major) estão igualmente reservados às mesmas religiões.
"O questionamento que se deve fazer não é, propriamente, sobre o direito fundamental à liberdade religiosa ou sobre a laicidade do Estado, previstos, respectivamente, no art. 5o, inciso VI, e no art. 19, inciso I, da Constituição Federal5, mas sim quanto ao fato de a lei estadual criar preferências entre brasileiros (privilegiando os cristãos em detrimento dos seguidores de outras religiões) e, especialmente, a possível violação aos princípios constitucionais da isonomia e do amplo acesso aos cargos públicos, contidos nos arts. 5o, caput, e 37, inciso I e II, da Constituição da República", afirmou o promotor.
É fato notório que as religiões católica e evangélica são predominantes no país. Com efeito, o último censo demográfico do IBGE que abordou o aspecto da religiosidade, realizado em 2010, revelou que, dente as pessoas que responderam o quesito específico, 86,8% se declararam cristãs, sendo 64,6% católicos e 22,2% evangélicos. No Rio Grande do Norte, os percentuais foram de 73,98% de católicos, 15,4% de evangélicos, 0,8% de espíritas, 1,4% de outras religiões e 6,4% afirmaram não seguir religião alguma.
Esses dados estão desatualizados em mais de uma década e, possivelmente, no âmbito restrito da Polícia Militar, podem ser sensivelmente diferentes. Sob essa perspectiva, é válido o censo interno levado a efeito pela PMRN, inclusive permitindo que os policiais optem por não responder o questionamento específico sobre a sua religião, conforme explicado na nota divulgada a imprensa.