Uma decisão do Conselho Federal de Medicina (CFM) publicada nesta quarta-feira 17 proíbe que médicos utilizem o bloqueio puberal para tratar jovens com disforia de gênero. O procedimento era autorizado desde 2019, em caráter experimental.
A medida foi recebida com decepção entre pacientes e profissionais. Isso acontece porque em pessoas identificadas como trans, o desenvolvimento dos caracteres sexuais na adolescência é uma grande fonte de sofrimento psicológico. “Nós temos dados que mostram que entre os adolescentes com disforia de gênero, a ideação suicida pode chegar a 70%”, diz Tayane Muniz Fighera, coordenadora do Departamento de Endocrinologia Feminina, Andrologia e Transgeneridade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia.
O bloqueio puberal é uma medicação que impede o desenvolvimento desses caracteres. Ele atua sobre o hormônio liberador de gonadotrofina, impedindo que os os testículos e os ovários liberem os hormônios responsáveis por promover a maturação sexual.
Esse tipo de terapia é reversível e é utilizado até os 16 anos, quando o jovem tem mais maturidade para – em conjunto com a família e com profissionais – decidir se quer usar os hormônios para promover a transição de gênero. A partir de agora, essa decisão também ficou restrita à maioridade.
Isso, no entanto, não acontecia em qualquer clínica. Por ser utilizado em caráter experimental, o medicamento só poderia ser aplicado em centros especializados, onde o paciente era submetido a avaliação de uma diversidade de especialistas. A médica explica que essa prática estava ajudando na melhor compreensão da recepção do tratamento e das possíveis consequências negativas do uso – que, por enquanto, são reversíveis e pouco relevantes.
O CFM decidiu por proibir o uso devido a um suposto aumento no número de arrependimentos, mas eles próprios reconhecem que os dados são frágeis, podendo variar de 1% a 10%, com grande parte dos desistentes relatando o terem feito por influência externa, como despreparo profissional e pressão familiar. A medida reacende as acusações de influência ideológica nas decisões técnicas da entidade médica.
A decisão levantou preocupação por parte dos profissionais. “Fechar os olhos e não oferecer nenhum tratamento aumenta o risco de que as pessoas procurem tratamentos mais perigosos e danosos para a saúde”, explica Fighera.
Isso acontece porque entre a população trans, a prática da automedicação é algo recorrente. Fighera explica que, no centro especializado em que ela atende, ao menos 90% das mulheres trans já chegam na clínica tomando algum tipo de hormônio sem prescrição médica. Impedir o acesso a um tratamento para pacientes jovens pode tornar esse cenário ainda mais preocupante.
Reação da sociedade civil
A medida se aplica apenas a casos novos, de modo que o documento recomenda que os tratamentos que já foram iniciados não sejam interrompidos. Ainda assim, entidades da sociedade civil reagiram à decisão médica.
A Associação Mães pela Diversidade e a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) foram as primeiras a se manifestar contrária à medida. Em ação conjunta as entidades encaminharam representação ao Ministério Público Federal. O MPF já instaurou procedimento para avaliar a legalidade da ação do CFM.