A normalização do inaceitável
por Tatiana Mendes Cunha
Nos últimos dias, uma notícia causou perplexidade: um condomínio em Madureira, no Rio de Janeiro, convocou reunião de moradores para aprovar uma taxa mensal de R$ 1.800 destinada ao tráfico da região. O único item na pauta era esse. E foi tratado como algo natural, uma despesa ordinária.
Esse é o retrato de uma realidade que vem sendo assimilada como normal. O domínio territorial por grupos criminosos virou parte da rotina de milhões de brasileiros, como se fosse uma consequência inevitável da vida urbana. Mas não é. E não pode ser.
É um erro conceitual admitir que existam áreas ocupadas por facções criminosas ou milícias, como se fossem entidades paralelas com legitimidade. O uso dessa linguagem já é, por si só, sintoma da gravidade do problema.
Três levantamentos divulgados no último ano revelam a atuação de 72 organizações criminosas no país. Cerca de 23 milhões de pessoas relataram viver em áreas dominadas por esses grupos. Praticamente todos os estados da federação têm presença forte de facções ou milícias.
A perda de controle é evidente. E ela não se limita à ausência do Estado nos territórios. Ela se reflete também na infiltração dessas organizações nas estruturas políticas e econômicas, nas instituições públicas, e na dinâmica do poder local.
Acredito que não há enfrentamento eficaz sem coordenação nacional. É dever da União utilizar todos os instrumentos disponíveis: Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Ministério Público, Receita, Coaf. É preciso mapear, rastrear o fluxo de dinheiro, identificar lideranças e desarticular redes.
Discutir esse tema não é exagero. É reconhecer que estamos diante de um processo silencioso de rendição. E que chamar de normal o que é criminoso só fortalece o domínio daqueles que atuam à margem da lei.
Não pode haver grupos armados dominando nenhum território do país. Nenhum.