O PT vai às urnas, neste domingo, 6, em uma encruzilhada política. Uma ala do partido quer que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva rompa com o Centrão e dê uma guinada à esquerda no governo. A outra, majoritária, tenta refazer as alianças com a centro-direita, sob o argumento de que esse acordo é fundamental para Lula conquistar novo mandato, em 2026.
Tudo indica que o ex-ministro e ex-prefeito de Araraquara Edinho Silva vencerá as eleições para presidente do PT no primeiro turno. Mesmo assim, aos 45 anos, o partido sairá da disputa dividido sobre os rumos a seguir.
Na prática, a construção de um nome para o período pós-Lula ainda é uma miragem e ninguém sabe quem será o sucessor do presidente. Apontado como possível herdeiro, em 2030, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, enfrenta “fogo amigo” no PT.
As eleições que vão renovar o comando do partido ocorrem em um momento de crise no governo, com pesquisas que demonstram queda da popularidade de Lula. O Palácio do Planalto enfrenta turbulências na relação com o Congresso, que atingiu o auge quando, há onze dias, a Câmara e o Senado derrubaram um decreto do presidente com mudanças no Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).
O vencedor da disputa no PT terá mandato até 2029 e estará à frente da próxima campanha de Lula ou de quem ele escolher para entrar no páreo. Além de Edinho, concorrem à presidência do PT o deputado Rui Falcão (SP), o secretário de Relações Internacionais do partido, Romênio Pereira, e o diretor da Fundação Perseu Abramo Valter Pomar.
Em todo o País, 2.959.823 filiados ao PT estão aptos a votar. O modelo será o de cédula de papel porque o partido não conseguiu pôr em prática o sistema de urnas eletrônicas.
“Muitas vezes esses processos internos deixam sequelas, mas estamos trabalhando para que o partido saia unificado”, disse o presidente em exercício do PT, Humberto Costa (PE). “Devemos ajudar o governo a aprovar projetos importantes, como a isenção do Imposto de Renda de quem ganha até R$ 5 mil, e a recuperar a popularidade para que possamos ampliar as alianças”, destacou o senador, que assumiu o partido em março, quando Gleisi Hoffmann foi escalada para ser ministra de Relações Institucionais.
Divergências vão de ajuste fiscal às alianças com o Centrão
O otimismo de Humberto Costa, no entanto, contrasta com o atual cenário. O distanciamento da base social, o ajuste das contas públicas – com o consequente corte de gastos – e a aliança com o Centrão compõem hoje o cardápio de divergências na disputa pela presidência do PT. Apenas Edinho, candidato que é apoiado por Lula, não faz reparos ao governo.
“Boa parte do desarranjo institucional que estamos vivenciando se deve ao grande varejo que hoje domina a política brasileira”, afirmou o ex-prefeito de Araraquara, que concorre pela tendência Construindo um Novo Brasil (CNB), majoritária no PT.
Na sua avaliação, as dificuldades enfrentadas por Lula são decorrentes da “descaracterização do presidencialismo” porque suas atribuições foram “dragadas” pelo Legislativo. Ex-ministro de Comunicação Social no governo de Dilma Rousseff, Edinho citou como exemplo a captura do Orçamento pelo Congresso, que dispõe de R$ 52 bilhões em emendas parlamentares.
“Esse modelo de governabilidade ruiu”, observou ele. “O Brasil precisa de uma concertação política. Há um hiperempoderamento do Judiciário, um enfraquecimento indevido do Executivo e um fortalecimento também indevido do Legislativo. Penso que o único líder capaz de pôr em prática essa concertação é o presidente Lula”.
No diagnóstico de Rui Falcão, porém, o PT não pode ser avalista de uma conciliação. “O governo está cercado por fora e minado por dentro”, resumiu Falcão, que é apoiado por correntes de esquerda. “Colocar nossa ação política na dependência de acordos com os partidos de centro-direita e direita é caminho para o suicídio político”.
Ex-presidente do PT, o deputado sempre teve bom relacionamento com Lula. Foi coordenador de sua campanha em 2022, ao lado de Edinho, e ajudou a levar a ex-prefeita de São Paulo Marta Suplicy de volta ao partido, no ano passado.
Falcão avalia que a atual linha política do PT “vaza água para todos os lados” e prega um giro à esquerda. “Precisamos fazer a disputa dentro do governo”, argumentou. “Aceitar cortes de gastos seria outra via para perder nossa base social”, prosseguiu o deputado que, em dezembro, votou contra o pacote fiscal.
Tanto Falcão como Romênio Pereira e Valter Pomar assinaram uma carta aberta aos militantes do PT na qual dizem que “a situação política é gravíssima”. Para eles, partidos que ocupam postos de destaque no governo tentam “sufocar” Lula, com o objetivo de pressioná-lo a fazer um “ajuste fiscal brutal”, tornando sua reeleição inviável.
O trio propõe o enfrentamento, com demissão de ministros que “fazem o jogo da direita e preparam uma candidatura bolsonarista”, além de mobilização contra a “política de juros escorchantes” do Banco Central.
“Nós ganhamos pela esquerda e começamos a governar pela direita. Acontece que essas pessoas só ficam com a gente quando tem alegria”, comentou Romênio, da tendência Movimento PT. “Então, ou o governo muda ou o povo muda de governo”, previu.
Pomar, por sua vez, afirmou que, se o PT não tiver uma posição crítica em relação ao Planalto, quando julgar necessário, acabará fortalecendo a direita.
“A vida está demonstrando que o novo marco fiscal foi e segue sendo um erro: com um Banco Central que cultua o bezerro de ouro e com um Congresso que impede o governo de cobrar impostos de ricos, buscar o déficit zero é cortar na carne. E, obviamente, isso nós não podemos fazer”, assinalou o dirigente da Articulação de Esquerda.
Ao contrário de Edinho, para quem o PT “precisa se organizar para quando Lula não mais disputar as eleições”, Pomar não quer nem ouvir falar nisso. “Quem tem pressa em tirar Lula do cenário são nossos inimigos”, provocou.
Estadão