Veraneio: Réveillon
É o momento de maior paz na família, é hora de esquecer as frustrações dos presentes de Natal, superar as mágoas, olhar para frente, sonhar com um ano novo repleto de realizações. Na verdade, todo mundo só pensa em ganhar dinheiro, o resto é frescura.
A noite, a família toda de branco, só os mais lisos ventem amarelo, aqueles que querem muito dinheiro mas tem vergonha, usam cuecas e calcinhas amarelas.
Abraços, beijos, juras de amor no rompimento do ano, toca o hino nacional, estoura a cidra, paz, paz paz. Abraçar o primo chato, a tia, a cunhada, a sogra, é aquele momento de romper barreiras intransponíveis durante o ano.
Na casa vizinha, alugada aos crentes, eles oram, os homens de calças e camisas de manga longa e as mulheres com saias e os cabelos na cintura. Tentam ler a Bíblia ao som profano da casa de nossa família.
Uns comem uvas, outros romãs e vão para praia pular as setes ondas. É seu momento xangô do ano. O chato é que seu neto ao pular as ondas pisa em um bagre, instalado o terror. O menino se debate de dor, o peixe roda no pé dele. Retirar o bicho é pior do que a entrada, a festa perde um pouco de graça. Sua filha tem que ir na UPA com a criança.
Mas vamos dançar, agora a moda é tomar gin. Só tem vantagens, não engorda e embriaga com força. Ótimo para dizer verdades em família. Olhar para o concunhado é dizer que tem abuso dele; chamar sua cunhada de feia; seu sobrinho de mal educado.
Hora de resgatar o axé music, um samba e jantar. Não pode comer nenhum bicho que cisque, então a parte branca do Perú só rende até o dia 30. Pode porco, bacalhau, lagosta e o famigerado tender. Tem uma vantagem, você só vai se deparar com pêssego e figo em um ano, só no próximo Natal, bom demais.
Tem a história de pegar o sol com mão, todos vão dormir por volta das 5h. Às 6h, o bisneto acorda. Os vizinhos crentes em vingança maligna começam um culto. Cantam: foi na cruz, foi na cruz que um dia, eu vi Cristo.
Essa cruz é sua, meu velho, ainda restam 30 dias de veraneio. Saravá!